Por João Antonio Guerra,
Era um peso fortemente, e
ela pensando nos poréns de Poliana, com as pessoas em torno, as pisadas em
tornozelos. Um aperto no peito, desses que não nos descem.
Deixa cair não! disse a outra, anônima, quando já tinha
caído. Ai, esse meu cansaço nos braços — Ana se corrigiu, correu, catou o
cartaz do chão; um pouco pisado, mas só. Continuaram gestando aquelas ideias,
carregando-as nos braços, muito mulheres. Pois a marcha mandava, e até
implorava: a pé, vamos implodir a cidade, começando por esta avenidazinha.
Mas Poliana felicitava
desesforçada, em casa: o sorriso e o anelar, naquela semana mesmo, anunciaram:
ela se casaria tanto! dali a dois meses. Ana saboreava um abandono, que em seu
saber aquela aliança não era com ela, mas com nações estranhas. Sob um sol de
capital, a pintura sobre a pele secando e coçando, Ana era sozinha com
quinhentos em marcha.
Naquele dia, mais cedo,
Ana deixando a casa, eu ouvi
—
Marcha de putas.
sua
mãe ninando o neto, contente em seu dever
—
Mamãe um dia cria juízo.
de
avó que cuida do bebê
—
Mas até lá, vovó fica com você.
quando a mãe está fora. E
a vovó virava a criança de costas para a janela e a mãe além, lá embaixo, na
calçada — será um homem, custe o que custar.
Vi: a mãe também tinha o
pequeno nas ideias; pensava para ele planos de paz que não batiam, e se
cansava. Seus braços bambos, um vento veio de improvável, varreu o cartaz para
longe e para sempre, uns quatro passos de distância. O sol escorria pelo
pescoço e lavava embora também a tinta, o corpo que era dela. Porque antes,
ainda no parto das placas e cartazes, todos ajoelhados no chão, baldes de
confissões e cores nas mãos, perguntaram a Ana quais seriam suas palavras.
A blusa abandonada, pintaram-nas
no peito livre, onde também estava o pequeno Paulo, sua vovó virulenta e —
braço dado a um homem de feições familiares — Poliana, a que não precisava se
pintar. Ela seria sempre casada, com um quê de completa, em felicidades fáceis.
Já Ana, por outro lado, deu de dizer
—
O corpo é meu.
e foi o que ficou feito
na pele. No meio da multidão que marcha, ela raspava as palavras com as unhas,
chamando o vermelho, que o corpo era dela e coçava pesado. Foi só sem os seios
que Ana conseguiu vazar o peso fora. Deixou os dois doendo sozinhos na rua e debandou
para casa.
De vago, vi que mais uma
menina catou o cartaz, chacoalhando dele as dúvidas. Mas não prestei mais
atenção na menina. Ana, quando não era cansada de todxs, me desaprovaria
dizendo que estou presente somente pela nudez — e estaria
certa. Peguei-lhe os peitos dos paralelepípedos, ajeitei-os no sutiã e marchei
pra fora da marcha.
Um velho amigo escreveu esse conto e endereçou a mim
dizendo que detestou o que havia escrito - eu amei. O corpo é meu, surgiu (realmente no sentido abiogênico da palavra)
baseado nas Marchas das Vadias e em todo o processo de demanda por autonomia de
seus corpos, por parte dessas mulheres (vadias). "Mandar para Andressa", estava escrito no canto da página. Fiquei encantada por
ter sido a primeira Vadia a ler esse conto e agora o compartilho com vocês.
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