domingo, 24 de fevereiro de 2013

Repostagem: Vamos falar de mulheres. Vamos falar de Revolução. Vamos falar do 8 de Março.

Ontem à noite, eu decidi postar no meu blog um texto sobre a origem do 8 de Março, desconstruindo a mitologia que foi criada em cima dela. Como o texto teve ampla repercussão, nós - Chatas - decidimos que era uma chatice boa de entrar nesse blog também. Segue o texto original (post original: http://marialasilveira.blogspot.com.br/2013/02/vamos-falar-de-mulheres-vamos-falar-de.html):
 
 
Como autora de ficção e fascinada por antropologia, estou mais do que acostumada a lidar com mitos e histórias dos mais diversos tipos. Crio-os, adoro-os. Porém, quando são perpetuados de modo a convenientemente apagar partes inconvenientes da História, devemos combatê-los.
Esses mitos são encontrados em todos os lugares e costumamos chamá-los de “História Oficial”. A História, dizia meu avô, é contada pelos vencedores. E, aos vencedores, nos interessa que saibamos como eles são fofos. Um dos meus exemplos favoritos de representação crítica e metalinguística da História Oficial é a cena de “A Família Addams 2” em que Vandinha atua como Pocahontas na peça de celebração do Dia de Ação de Graças. Mais precisamente, este diálogo:
SARAH MILLER  Estou feliz por ter convidado os chippewas para nossa ceia sagrada. Lembrem-se de que esses selvagens são nossos convidados. Não devemos ficar surpresos com seus estranhos costumes. Afinal, eles não têm as nossas vantagens, como boas escolas, bibliotecas cheias de livros, xampu…
POCAHONTAS: Hau! Sou Pocahontas, uma jovem chippewa.
URSO VELOZ: Eu sou Urso Veloz, noivo de Pocahontas… na peça.
POCAHONTAS: Trouxemos um presente para esta festa sagrada.
(Entra um garoto vestido de peru)
PERU: Eu sou um peru. Me mata.
SARAH MILLER: Que presente bem pensado. Vocês são tão civilizados quanto nós. Só que usamos sapatos e temos sobrenome. Bem vindos à nossa mesa, primitivos amigos.
POCAHONTAS: Obrigada, Sarah Miller. Você é a pessoa mais linda que eu já vi. Seu cabelo tem a cor do sol, sua pele, a cor do leite. E todos amam você.
SARAH MILLER: (Envaidecida) Pare. Sentem-se
(Pocahontas impede que sua trupe se dirija à mesa)
POCAHONTAS: Espere.
SARAH MILLER: O quê?
POCAHONTAS: Não podemos comer com vocês.
(A atriz se vira para a diretora e pergunta.)
SARAH MILLER: Becky, o que está acontecendo?
BECKY: (Sussurrando): Vandinha, o que você está fazendo???
POCAHONTAS: Vocês tomaram nossa terra. Agora meu povo será forçado a viver em reservas indígenas. Seu povo vestirá malhas de lã e beberá uísque. Venderemos braceletes em beira de estrada. Vocês jogarão golfe e comerão em bons pratos. Meu povo sofrerá a degradação. Seu povo conduzirá carros. Os deuses da minha tribo disseram para não confiarmos nos peregrinos. Sobretudo, em Sarah Miller. Por todas essas razões eu decidi escalpelar você e queimar seu vilarejo.
Pois bem. Hoje eu vou dar uma de Vandinha e vou queimar o vilarejo do Grande Mito Sobre o Oito de Março.
A história conhecida é de que, em 1857, o proprietário de uma fábrica de tecidos em Nova Iorque queimou-a completamente, matando aproximadamente 200 operárias que faziam uma paralização. Eu já tive, inclusive, um professor marxista que discursou sobre como esse episódio era uma prova de que os trabalhadores são peças descartáveis perante ao Capital. Sem entrar no debate sobre o descarte de trabalhadores ou não, meu problema é que mesmo marxistas ainda acreditam nesse conto de fadas surgido no ano de 1966 no Leste Europeu.
Agora vamos jogar o óleo nas casas do vilarejo e nos perguntar: se houve de fato um episódio terrível assim na História e esse é o motivo para comemorarmos o Dia Internacional da Mulher no dia 8 de Março, por que a Federação dos Clubes de Mulheres Socialistas de Chicago marca a primeira comemoração do Dia da Mulher que se tem notícia para 3 de maio de 1908? O 8/3 já não seria uma data emblemática, especialmente para mulheres socialistas norte-americanas, se o massacre tivesse ocorrido? Por que todas as outras conferências de sindicalistas e socialistas em um geral ignoram a data de 8 de Março na segunda metade do século XIX e na primeira década do século XX?
Se o massacre houvesse ocorrido, por que não há um único texto de um único jornal socialista da época mencionando-o? Por que não há um único texto criticando a crueldade do tal dono da fábrica? Por que não fazemos ideia de quem era esse dono e qual era a fábrica?
Porque o massacre da fábrica nunca existiu.
A primeira menção à data de 8 de Março com qualquer relação ao Dia da Mulher foi em 1914, na Alemanha, sem nenhum motivo específico. Assim como todas as outras marcações da época (exemplos: 9 de março na França, 19 de março nos Estados Unidos, tentativa de comemoração no começo de março na Rússia – todas as organizadoras foram presas pelo czarismo).
Mas foi em 1917 que o 8 de Março ganhou qualquer significação. As russas socialistas comemoraram o Dia da Mulher nesta data e (acendendo o fósforo e jogando-o no vilarejo), contrariando a decisão do Partido Bolchevique de não realizar qualquer manifestação, irrompeu uma greve espontânea das tecelãs e costureiras de São Petersburgo. Elas foram às ruas exigindo o fim da fome e da guerra e sua manifestação foi o estopim da primeira fase da Revolução Russa.
Sobre esse 8 de Março há textos, notícias, artigos. A cartilha do Núcleo Piratininga de Comunicação destaca, principalmente, os de Alexandra Kollontai e León Trotsky. Só então, em 1921, a Conferência das Mulheres Comunistas adotou o dia 8 de Março como data unificada do Dia Internacional das Operárias.
Com a Segunda Guerra Mundial, o dia Internacional da Mulher foi abandonado tanto na URSS quanto no resto do mundo e, com o endurecimento da linha política soviética, abandonado de vez mesmo após o fim da Guerra.
Só em 1966, na Alemanha Oriental, volta-se a falar do Dia Internacional da Mulher. Por motivos que não ficam muito claros, a data de 8 de Março ficou marcada na memória coletiva, assim como sua relação com operárias na indústria têxtil, mas a verdadeira história perdeu-se (não acho que se lesse muito Trostky ou Kollontai – ambos banidos pelo stalinismo – na União Soviética de 1966) e um mito foi criado para preencher seu vazio.
Convenhamos que é mais conveniente aos defensores do capitalismo aderirem ao mito de 1966, já que o individualismo presente em nossa sociedade pode alegar que o tal fictício industrial era “uma pessoa ruim” ou algo do gênero do que admitir que a data propagada pelo mundo todo chamava-se Dia Internacional da Mulher Socialista quando surgiu e que este dia surgiu com a chispa nos olhos de destruir o sistema que nos oprime. Lembrar das mulheres que iniciaram a Revolução Russa é lembrar do papel de todas as mulheres e do feminismo marxista em todo e qualquer movimento que se pretenda revolucionário no mundo. Hoje e sempre.
Fonte: "O Dia da Mulher Nasceu das Mulheres Socialistas". Núcleo Piratininga de Comunicação.

3 comentários:

  1. Infelizmente esse dia comemora o inverso de sua proposta. Já vi várias promoções do 'dia das mulheres' em que se comprava máquina de lavar, fogão, etc com desconto. Esta semana até me deparei com uma no facebook que considero a mais explícita de todos os machismos 'ocultos' na sociedade, no mês das mulheres você pode ganhar um incrível book sensual, não é incrível? só que não haha http://www.facebook.com/photo.php?fbid=447238728678808&set=a.224519680950715.51584.130012973734720&type=1&theater

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    1. É por isso que eu acredito que o capitalismo destrói tudo o que toca hahahahhaaha

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  2. É, Camila, tem vezes que chego a ficar deprimida quando vai se aproximando o 8 de março.

    Aproveito pra dizer que o Chatas está providenciando postagens que abordem essa questão das promoções e propagandas que "homenageiam" a mulher de modo maravilhoso (só que ao contrário). ;)

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