segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Marilyn de Andy Warhol


A MARILYN DE ANDY WARHOL:
                 Andy Warhol e as representações do americano de sua época*

       Vivemos em um século em que a imagem faz parte significativa de nosso cotidiano. Cartazes, propagandas, folhetos e estampas, assim como as imagens de computador, da televisão e de outros objetos eletrônicos,  permeiam nosso dia-a-dia de modo massivo, fazendo com que cada vez mais nossa cultura se baseie na visão. Em 2010, 95,7% da população brasileira tinha acesso a televisão à cores[1] e entre 1999 e 2006, cresceu em 178% o número de municípios com provedor local de Internet[2]. Esses números demonstram que a geração de 2000 está se formando como, cada vez mais, a geração do visual.
         O que será que muda com essa “eletronização” das coisas? O que é representado no âmbito visual? Essas representações têm alguma relação com a sociedade em que vivemos? Nossa maior questão nesse texto é tentar refletir até que ponto mudanças culturais afetam a sociedade vigente e como essas novas imagens podem representar o modo de vida de seu local na sua época. Como os outdoors publicitários representam esse contexto? De que forma é retratado o indivíduo nessas novas mídias?
            Para entender melhor a influência e integração das imagens urbanas com o cotidiano da população, escolhemos as obras de um artista para relacioná-las com a sociedade em que vivia. Selecionamos a sociedade americana da época da arte pop, entre as décadas de 60 e 70, considerando a melhor aptidão de entendimento do leitor, já que toda a cultura de consumo relacionado à propaganda e à arte desse tempo pode ser encontrada hoje em dia (mesmo que de forma diferenciada).


  
A MARILYN DE ANDY WARHOL

            Quem não se lembra da cena clássica da loira americana com seu vestido branco sendo levantado pelo vento na estação de metrô, reproduzida tantas vezes? Ou o parabéns ao presidente Kennedy (1917-1963) na sede do Partido Democrático? Quem nunca viu também, em alguma estampa, propaganda, caixa decorativa ou livro didático, a imagem multi-colorida do ícone dos anos 50/60, a atriz e modelo Marilyn Monroe(1926-1962)?
Esse tipo de reconhecimento visual provavelmente era esperado por Andy Warhol (1928-1987) quando fez as serigrafias de grandes celebridades, como Liz Taylor (1932-2011), Elvis Presley (1935-1977) e a própria Marilyn Monroe (1926-1962).

São imagens divulgadas pela imprensa diária: a mesma imagem é vista várias vezes, estampada em pequena ou grande escala, em negro ou em cores, no jornal que se folheia de manhã, tomando o café, que o vizinho lê no ônibus, que está pendurado nas bancas de jornais etc. Acabamos por reconhecê-la sem observá-la. (ARGAN, 1992, p. 647)

Andy Warhol
Marilyn, 1964
Serigrafia, tinta e acrílico sobre tela,
101,5 x 101,5 cm
Coleção privada

As serigrafias de cores berrantes de estrelas americanas como Marilyn Monroe(1926-1962), tornaram-se ícones da segunda metade do século XX e, mesmo mais de quarenta anos depois, ainda povoam o fantasioso coletivo. Andy Warhol (1928-1987), autor dessas obras e um dos principais rostos da Arte Pop – que, mais que um movimento artístico, encarna toda uma revolução cultural e social -  personifica uma conexão entre a arte e a vida cotidiana, entre a arte e a sociedade midiatizada, capitalista e industrial nas grandes cidades. Nessas reproduções de imagens, o artista demonstra como as personalidades públicas são figuras impessoais e vazias, associando essa impessoalidade à técnica com que produzia esses retratos, numa produção mecânica e mais parecida com o processo industrial, ao invés do trabalho manual. A utilização da serigrafia demonstrava, de certa forma, a impessoalidade do objeto produzido em massa para o consumo.

Warhol adotou não apenas as imagens mas também as técnicas da cultura comercial, imitando os efeitos da produção em massa ao usar fotografias e serigrafia para criar imagens múltiplas e repetitivas e ao batizar seu ateliê de “A Fábrica”. Os artistas pop podem ter rejeitado as posturas imbuídas de altos ideais dos expressionistas abstratos, mas tomaram para si a lição de que, sejam quais foram as intenções do artista ou o conteúdo da obra, a arte é um produto comercial. (SIEGEL, 2010, p. 40)

A Arte pop é considerada uma reação ao Expressionismo Abstrato, um movimento artístico conduzido, entre outros, por Andy Warhol (1928-1987). O Expressionismo Abstrato, que surgiu por volta dos anos 50, avigorava a personalidade e expressividade do artista ao renunciar os elementos figurativos. Pelo contrário, o universo pop não possui nada de abstrato, pois transpõe e interpreta a iconografia da cultura popular. O cinema, a televisão, os meios de comunicação em massa eram o que abasteciam os artistas Pop. Portanto, a Arte pop pretendia ser universal e reconhecível por todos, numa tentativa de eliminar a distância entre a arte erudita e popular.
É especialmente nas obras em que pinta Marilyn Monroe(1926-1962) que uma das faces mais fortes da filosofia de Warhol (1928-1987) se revela. Apesar de ser fã de celebridades e compreender o caráter transitório da fama, o seu interesse estava no público e na sua devoção a uma figura como um símbolo cultural de sua época, uma figura criada pela imprensa. A “mágica” dele foi exatamente trazer para o mundo da arte norte-americana aquilo que já fazia parte do contexto de época: a devoção da celebridade, do dinheiro, e a reprodução de produtos – dessa vez artísticos – a partir da lógica capitalista do lucro. “Arte empresarial é o passo que vem depois da Arte” (WARHOL, 2008, p. 108). Andy Warhol (1928-1987) tornou explícita a relação do mercado da arte com o sistema econômico e político da sociedade de sua época, o que nos fez notar que “(...) só podemos entender o que é e como funciona a arte considerando-a em relação com a sociedade voltada para o dinheiro em que esta existe” (SIEGEL, 2010, p. 30).


Andy Warhol
Gold Marilyn, 1962
Serigrafia e polímero sintético sobre tela
211,4 x 144,7 cm
Nova York, MoMA

Em A Filosofia de Andy Warhol (edição brasileira de 2008), o artista nos mostra quem era o nova-yorkino em sua época a partir de suas próprias considerações, experiências de vida e ideologias. É principalmente a partir dos trechos relativos à relação com o dinheiro e com o consumo que percebemos traços do imaginário americano da época.

Outro dia, perguntei a um motorista de táxi o que o dinheiro significava para ele. “Bons momentos”, ele disse. “Saio com minha mulher, me divirto com ela, gosto de sair com ela, então, quando tenho dinheiro, saio com ela.”
Eu sinto a mesma coisa (WARHOL, 2008, p. 108)

Comprar é muito mais americano que pensar e eu sou absolutamente americano. Na Europa e no Ocidente, as pessoas gostam de comerciar – comprar e vender, vender e comprar; são basicamente mercadorias. Americanos não estão interessados em vender – na verdade, eles preferem jogar fora a vender. O que eles realmente pensam é em comprar – pessoas, dinheiro, países. (WARHOL, 2008, p. 255)

Não acho que todo mundo deva ter dinheiro. Não deve ser para todo mundo – você não saberia quem era importante. Que chatice. Sobre quem se ia fofocar? De quem se iria falar mal? Nunca aquela sensação fantástica de alguém dizendo “Pode me emprestar 25 dólares?” (WARHOL, 2008, p. 154)

Os Estados Unidos da América (EUA), nesse momento em particular, estavam em plena disputa ideológica e financeira com a União Soviética (URSS), no que chamamos do período da Guerra Fria.  Nessa época, os EUA se beneficiavam das vantagens econômicas e políticas conseguidas na Guerra e se destacavam como líderes mundiais tanto no âmbito econômico quanto no ideológico – foi a partir da época pós-guerra que tudo passou a ser importado do norte da américa, incluindo modo de vida (como o conhecido american way of life, que teve início depois da Primeira Guerra), produtos (como os chamados “elefantes brancos”, os eletrodomésticos americanos), cultura (como o destaque do Rock, nos EUA) e ideologia, como o próprio Warhol (1928-1987) retrata na frase “A ideia da América é tão maravilhosa porque, quanto mais igualitária é uma coisa, mais americana ela é.” (WARHOL, 2008, p. 119). E a arte não fugia desse sistema.

Ao mesmo tempo em que a guerra provocava o deslocamento do centro de poder econômico capitalista, político e militar para os Estados Unidos, a arte norte-americana passava a ser a mais importante do mundo (SIEGEL, 2010, p. 35)

A primeira vez que Andy (1928-1987) usou a imagem de Marilyn (1926-1962) foi em 1962, em uma obra chamada ‘’Marilyn Six-Pack’’. Ele retirou uma fotografia de uma imagem promocional de cinema e a ampliou em uma escala gigantesca alterando seu contraste através de fortes cores. A fama de Marilyn (1926-1962)  estava nos seus lábios vermelhos e sensuais. A obra de Warhol (1928-1987) distorce, propositalmente, seu rosto e lábios, exagerando a comercialização e artificialidade da sua imagem. O artista reutilizou a imagem da atriz em varias outras telas nos anos 60.  Ele modificava as cores dos olhos e bocas, mas mantinha sempre a mesma fotografia. Essa mecanização e clareza na transformação da arte em produto, promovida pelo artista pop, demonstra a lógica do indivíduo americano no início da década de 60.

Antes de mais, a definição da palavra:<<a mentalidade de um indivíduo, mesmo que se trate de um grande homem, é justamente o que ele tem de comum com outros homens do seu tempo>> ou então <<o nível da história das mentalidades é o do quotidiano e do automático, é aquilo que escapa aos sujeitos individuais da história porque revelador do conteúdo impessoal do seu pensamento>> (ambas as definições são de J. Le Goff). (CHARTIER, 1990, p. 41)


    
Andy Warhol
Marilyn Monroe Diptych, 1962
Acrílico sobre tela, dois painéis,
2,08 x 2,90 m
Londres, Tate Gallery


            A Arte Pop salienta não só o caráter da obra de arte assim como seus instrumentos e produtos que se submetem as regras do mercado. Ela manteve um diálogo com o seu contexto cultural e, seja criticando sátira e ironicamente ou compartilhando com a lógica do sistema econômico, social e cultural de sua época, fez um retrato do indivíduo inserido nessa sociedade.
É ao identificar as divisões e as relações que constiruiram o objecto, em estudo, que a história (das ideias, das formações ideológicas, das práticas discursivas – pouco importa a designação) poderá pensá-lo sem reduzir à simples condição de figura de circunstância de uma categoria supostamente universal (CHARTIER, 1990, p. 66)

(...) a arte tal como a conhecemos é produto do mesmo desenvolvimento histórico que nos propiciou uma sociedade regida pela busca do dinheiro. (SIEGEL, 2010, p. 31)

Cartazes, propagandas, folhetos e estampas, assim como as imagens de computador, da televisão e de outros objetos eletrônicos,  permeiam nosso dia-a-dia de modo massivo, fazendo com que cada vez mais nossa cultura se baseie na visão. E Warhol(1928-1987), a partir da lógica de reprodução e intertextualidade, tornou explícita a relação entre a dimensão visual da sociedade e seu mercado, economia, política e cultura e fez com que suas obras fossem a representação pura da sociedade americana dos anos 60.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Tradução de Denise Bottmann e Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
FARTHING, Stephen (editor geral). Quinhentos e um grandes artistas. Tradução de Marcelo Mendes e Paulo Polzonoff Jr. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.
HEARTNEY, Eleanor. Pós-modernismo. Tradução de Ana Luiza Dantas Borges.São Paulo:  Cosac Naify, 2002.
IBGE. Desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contém dados e informações do país. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=______980> Acesso em Novembro de 2011.
McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002.
SHERMAN, Tony. Andy Warhol, o gênio do pop. Tradução de Douglas Kim e Ricardo Lísias. São Paulo: Globo, 2010.
SIEGEL, Katy; MATTICK, Paul. Arte e dinheiro. Tradução de Ivan Kuck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
TELECO. Desenvolvida pela Teleco Informação e Serviços de Telecomunicações Ltda. Conteúdo focado em Telecomunicações na Internet.. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/nrtv.asp> Acesso em Novembro de 2011.
WALTHER, Ingo F. Obras-primas da pintura ocidental. Tradução de Teresa Curvelo. Köln: Tashen, 2002.
WARHOL, Andy. A Filosofia de Andy Warhol (de A a B e volta a A). Tradução de José Rubens de Siqueira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.


[1] Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativas à TIC (Telefones Fixos e Celulares, Microcomputadores, Internet, Rádio e Televisão).
Fonte: TELECO. Desenvolvida pela Teleco Informação e Serviços de Telecomunicações Ltda. Conteúdo focado em Telecomunicações na Internet.. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/nrtv.asp> Acesso em Novembro de 2011.

[2]IBGE. Desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contémdados e informações do país. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=980> Acesso em Novembro de 2011.

* - Texto adaptado apresentado à disciplina de História da Arte III do curso de graduação de Artes Visuais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) de 2011.
 Autores: Mariana Lydia Bertoche e Bernand Klein

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