Victor
Hugo é um dos maiores autores do século XIX. Seus livros mais famosos são “O
Corcunda de Notre Dame” e “Os Miseráveis”, que foram transformados em filmes,
peças e musicais. “Os Miseráveis” foi recentemente transformado em filme, que
assisti. Apesar de ter diversas considerações sobre ele, não é sobre o filme em
si que quero comentar, mas sobre a habilidade de Victor Hugo e de Claude-Michel
Schönberg em transformar seus personagens não em pessoas, mas em emblemas de
situações sociais. Posto que ainda não li a versão em livro d’Os Miseráveis,
apenas conheço o musical e, agora, o filme de 2012, poderei apenas comentar
sobre a adaptação.
Ponderando
que Victor Hugo era um liberal e acreditava na superação das contradições da
sociedade capitalista, apesar de desprezar as desigualdades sociais (que
atribuía a resquícios do Antigo Regime), minha análise do musical Os Miseráveis
não tem nenhuma correlação direta com as ideias do autor, apenas é uma análise
plausível (creio).
Javert
não é simplesmente um policial, ele é a própria polícia, o próprio exército do
sistema burguês e, ao perceber que seu trabalho é manter uma ordem arbitrária
que o coloca contra toda luta popular, não tem alternativas senão eliminar a si
mesmo. Como personagem dramático, se suicida, mas seu suicídio pode ser
interpretado como o fim de toda e qualquer polícia em que seus servidores
desenvolvem consciência de classe (destaque para a cena emblemática de Javert
depositando uma medalha de honra no peito de Gavroche).
Jean
Valjean é o ícone da ideologia de Hugo. O proletariado tornando-se burguesia e,
como burguês, trabalhando para eliminar as contradições sociais. Os estudantes
da barricada são certamente inspirados em jovens blanquistas com os quais Hugo
conviveu, que acreditavam que um levante de uns poucos inspirados (sem
sindicato, sem partido organizado, sem... nada, só inspiração) conduziria a
massa e erraram feiamente em seus cálculos.
Mas
a personagem que me fascina e sobre a qual é interessante falar agora no Chatas
é Fantine (depois eu escrevo um texto sobre Eponine). Ela é uma mulher do povo,
marginalizada pelo sistema burguês (que, ainda falando arquetipicamente, morre
mesmo com os esforços do bom burguês para salvá-la. Em minha análise, podemos
dizer que a burguesia não pode superar as contradições do sistema e libertar o
proletariado) e oprimida duplamente. É oprimida por ser proletária e é oprimida
por ser mulher. Com oportunidade de emprego negada por ser mãe solteira, é
empurrada à prostituição (“já era uma vagabunda mesmo”) e a uma precarização
ainda maior. O assédio sexual, o assédio moral e o abandono são constantes em
sua vida.
Fantine
não é apenas Fantine. Ela é muitas das mulheres que ainda andam por aí. No
final de “L’Apollonide – A casa dos amores de tolerância”, temos bem essa
conexão entre passado e presente. A prostituta do começo do século XX sai da
casa e transforma-se em uma jovem de jeans debruçada sobre a janela de um
carro. O que, de fato, mudou para as Fantines de nosso mundo nesses cento e
poucos anos entre o lançamento d’Os Miseráveis e o lançamento deste filme, sua
adaptação?
Na
maior parte do mundo, a prostituição é ilegal e, nos países em que é
legalizada, beneficia muito mais cafetões e grandes empresários do sexo do que as
prostitutas. Não, não tenho posição sobre a legalização da prostituição. Por um
lado, mantê-la ilegal é negar direitos às prostitutas (e, em menor escala, aos
prostitutos também) e não impede que ela siga acontecendo. Por outro lado, ela
é estimulada e não combatida nos
países em que é legalizada. E queremos que a exploração sexual siga uma
constante em nosso mundo?
Desviando
um pouco das Fantines, quero falar da cena final do filme. Fui só eu a
socialista maluca que ficou com a impressão muito clara de que o socialismo é
elevado ao que toda a humanidade deveria esperar? Digo, Jean Valjean morre e
temos a clara impressão de que ele foi para o Céu. E o Céu é uma imensa
barricada em frente a um palácio com uma bandeira vermelha tremulando no topo e
todo o povo (e, inclusive, soldados que se reconheceram como povo) ao redor
dela.
Com
todo respeito ao musical e à “Do you hear the people sing”, eu ainda prefiro
uma música mais tradicional...
(já que Les Miserables se passa
em Paris, vai aí a versão francesa)
Muito bom. Mas é L'Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância*. Abraços!
ResponderExcluirhttp://lieaceito.blogspot.com.br/
Oi Isadora, eu sei que o nome é grande assim (inclusive no original), mas coloquei curto por pura preguiça rs
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