domingo, 9 de setembro de 2012

V a g i n a

 Vamos falar de um assunto cabeludo e que por vezes é proibido nos papos de amigxs, um tema que causa riso ou repulsa, que é sussurrado e escondido. Vamos falar das vaginas. Estas criaturas que historicamente foram abafadas, reduzidas a recipientes. Se você tem uma, aproxime-se, há muito a descobrir. E se você não tem, venha também, presenciar o espetáculo que é a vagina. 

Primeiro de tudo, já prestou atenção como é impronunciável a palavra va gi na? Isso faz parte do modo como a sexualidade feminina foi e é encarada. Há tantos outros nomes mais "suaves", de fato há apelidos para o pênis também, mas quando se trata de vagina, é agressivo aos ouvidos, irritante e muito, muito feio. Pouca gente consegue falar vagina com naturalidade e sem tanto medo das reações; o que não faz muito sentido, afinal, ela faz parte do corpo feminino, como os olhos (tão homenageados e poetizados), a boca e os pés. 
Sobre isso temos um trecho bem legal do livro "Os monólogos da Vagina, da Eve Ensler:


"Vamos começar simplesmente com a palavra "vagina", No mínimo, soa como uma infecção, talvez um instrumento médico. — Rápido, enfermeira, me dá a vagina!

"Vagina." "Vagina." Não importa quantas vezes  você diga, nunca soa como uma palavra que você quer dizer. Uma palavra totalmente ridícula, completamente assexuada. Se você a usar durante o ato sexual, tentando ser politicamente correta — "Meu bem, dá pra massagear a minha vagina?" —, você acabará com o clima erótico na hora.

Estou preocupada com vaginas. Preocupada com os nomes com as quais as chamamos e com os nomes com os quais não as chamamos."

E para que você, carx leitorx, desmistifique essa palavra tão antiga e necessária, indico que leia o livro todo, baseado nas mais de 200 entrevistas que a autora fez sobre as mulheres e suas vaginas. Virou peça e sucesso, até hoje o espetáculo é montado em diversos países. Dizem que é comédia, mas a leitura não me foi nada engraçada, foi comovente. As histórias dessas mulheres e a busca por suas vaginas tem todo o meu respeito e admiração. Aqui, o link para download. E aqui, a versão para televisão da peça, produzida pela HBO. 

Por enquanto ficamos no campo semântico, a palavra vagina como tabu . Agora lhe pergunto, pra que serve sua vagina? Essa, que pulsa no seu corpo, que guia suas emoções e irradia energia, essa que faz parte de você, que é você. Segundo a wikipédia, a função dela é "receber o pênis no coito e dar saída ao feto no momento do parto, assim como expulsar o conteúdo menstrual" e nada mais. Claro que a wikipédia não é a fonte mais segura e coerente do mundo, mas essa definição de para que serve a vagina é a verdade absoluta para muitas, muitas pessoas. 

Isso de encarará-la apenas como porta de entrada do pênis e porta de saída do bebê e da menstruação é um indicativo de toda a história de opressão das vaginas. E, infelizmente, isso está extremamente ligado à recorrente “adoração” do pênis, o forte, fálico e fidalgo órgão masculino. Pelo menos por aqui, se o garoto toca suas partes íntimas, repreendem, mas “é compreensível, homem não se segura, né”. Já as meninas são desconjuradas, desconstruídas e ouvem um “coisa feia! Menina decente não faz essas coisas!”. Cansei de ver isso, e eram só crianças, descobrindo o próprio corpo, que tiveram o azar de achar interessante mais um pedaço de si, pedaço esse que a sociedade vê como impuro, errado e indecente, pecaminoso.

Vaginas servem por exemplo, para inspirar cupcakes
Somos ensinadas a proteger nossas vaginas e a trancafiá-las nas grades da vergonha, somos enganadas que nosso corpo é o templo do profano e prova do pecado original. Então, para você que acha que nossas vaginas são apenas uma porta de saída ou entrada de algo, eu digo: você não sabe de nada. Nossas vaginas servem para o que nós quisermos, com quem quisermos e como quisermos. Fica a dica.

Além dos problemas com a palavra, com a vagina e seu lugar, há uma triste maneira de vê-la. Sobre isso temos um texto muito interessante da Eliane Brum, aqui. Ela conta sobre o  quadro "A origem do Mundo" de Gustave Coubert, e o horror que causou em sua empregada, faz perguntas interessantíssimas sobre as vaginas e o asco que normalmente provocam. 
Esse é o quadro:


Argh! Tanta gente reage assim, acho que quase todo mundo. E por quê? O que há nas vaginas para se enquadrarem apenas no “feio, nojento” e etc? Para refletir um pouco sobre isso, mais um trecho de "Os monólogos da vagina":

“— Se sua vagina se vestisse, o que usaria?
Uma jaqueta de couro. Meias de seda. Mink. Um boá cor-de-rosa. Um smoking masculino. Jeans. Alguma coisa bem justa. Esmeraldas. Um vestido de baile. Lantejoulas. Somente Armani. Um tutu de balé. Calcinhas pretas transparentes. Pijama de veludo púrpura. Um vestido de baile de tafetá. Alguma coisa que pudesse ser lavada na máquina. Máscara de baile à fantasia. Angorá. Gravata-borboleta vermelha. Arminho e pérolas. Um enorme chapéu cheio de flores. Um chapéu de leopardo. Um quimono de seda.Uma boina. Calças de cooper. Uma tatuagem. Um dispositivo elétrico que desse choques para manter estranhos a distância. Saltos altos. Rendas e botas de combate. Plumas púrpuras, brotos e conchas. Algodão. Um babador. Um biquíni. Um impermeável.”


Achei tão bela essa parte. Nós mulheres precisamos nos fazer perguntas desse tipo, o que sua vagina vestiria? Há tanto sobre nossas vaginas que não sabemos. Elas são a expressão maior de como somos podadas, limitadas, ensinadas a não ser o que somos. Depois do livro e pesquisas sobre, começo a achar muito bonito esse quadro aqui:


A exposição "The great wall of vagina" (O grande muro da vagina) foi criada pelo britânico Jamie McCartney. Aqui, o site. São cerca de 400 vaginas modeladas em gesso, de todas as formas e tamanhos que provocam. Desnecessário? Sem sentido? Acho que não, hein.. Se te fez fazer uma careta, tá cumprindo seu devido papel.

E por último, mas não menos importante, uma outra indicação. O livro "A história da V", de Caherine Blackledge, ainda não li, mas encontrei muitas resenhas positivas. Aqui uma ficha técnica. 

No mais, continuemos a falar a palavra vagina, a nos perguntar por que ela vem sendo relegada à  função de receptáculo e por que causa tamanho horror; porque  uma coisa é certa, as vaginas continuarão a existir e a fazer existir. 

* e só uma coisa, quando fui colocar as tags desse post, percebi que ainda não havíamos falado sobre vaginas. Por que será, né?!

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