quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Movimento é sexy... e só.


(Foto: AFP/ Joel Saget)



Quando o Chatas nasceu, no dia 8 de março de 2012, reconhecemos que cada uma de nós que aqui vos escreve éramos diferentes, seja nas ideias ou nos objetivos de vida. O que havia em comum era uma indignação pulsante com o enquadramento de conduta que nos era imposto pelo simples fatos de sermos mulheres, e uma vontade imensa de escrever com liberdade.

E assim foi, e é ainda: liberdade de tema e posicionamento de opinião de quem escreve; liberdade de comentários de vocês, leitores assíduos ou esporádicos; e liberdade ideológica também. Independente do pensamento de cada chata, o blog como um todo não tem posição partidária, nem tendência política definida, o que também nos liberta de muitas amarras.  Assim também é em relação aos diversos grupos e coletivos feministas, muitos dos quais apoiamos e divulgamos, embora não façamos parte.

Acontece que essa tal imparcialidade serviu durante muito tempo como desculpa para o meu silêncio. Quando via notícias de grupos e ações questionáveis dentro do movimento feminista, era mais fácil pensar “ok, não tem nada a ver comigo”. Usei do mesmo artifício para não me ofender com as piadas sobre esses protestos, feitas até mesmo por amigos, volta e meia acompanhadas pela máxima “ué, mas você não é feminista?”.

Sim, eu sou feminista. E isso faz recair sobre mim uma responsabilidade, não um estereótipo. Somos um movimento de cabeças pensantes, portanto também discordantes em alguns aspectos. Mas o que eu aprendi é que a partir do momento em que me declaro (ou, no caso, o blog) feminista, acabo tendo que responder por atitudes diversas, e muitas vezes arcar com generalizações. A partir daí, sim, omitir-se é concordar, e opinar é deixar claro nosso posicionamento, e também ensejar discussões, o que é ainda melhor!

 Foi o que aconteceu quando vi a notícia Feministas festejam a renúncia do Papa com seios à mostra em Paris, fato que se deu dentro da catedral de Notre-Dame. Dentre as várias repercussões da renúncia do Papa Bento XVI, essa foi a que mais me surpreendeu, não pelo choque social do protesto (até porque o choque é eficaz e necessário), mas pela total falta de sentido. O grupo Femen, já velho conhecido da mídia e com central recém instalada na França, é um dos que mais me causam a sensação de não estar sendo representada, por ter como principal característica as ações vazias de cunho ideológico ou preparação política. Seleciona-se mulheres no padrão de beleza vigente para ir a ocasiões diversas, mostrar os seios, gritar, se jogar no chão e espernear enquanto são levadas pelos policiais (estes últimos passos, inclusive, fazem parte do “treinamento” para fazer parte do grupo).

O protesto, para turistas e fiéis foi considerado um desrespeito desnecessário. Para mim, que não sou nem um, nem outro, foi exatamente a mesma coisa. Desrespeito porque não cabe se valer da histórica opressão da Igreja para justificar ações assim. Igreja esta que também desrespeita tanto outras religiões quanto a escolha por não praticar uma religião, mas faço disso um ponto crucial pra enfatizar: o movimento não é revanchista, mas simplesmente humanista. Desnecessário porque hoje os dogmas opressores do catolicismo só se legitima para quem segue a religião. Não estou negando, por óbvio, que a influência desses dogmas estejam institucionalizados pelo sistema jurídico de países como a França e o Brasil, fortemente influenciados pelo Direito Canônico. Mas esta é, e deve ser, uma briga por um Estado verdadeiramente laico, e não uma briga com o Papa.

É por isso motivo que lembrei de um outro protesto, em uma outra igreja, em um outro país, com o qual eu concordei e achei legítimo. Em 21 de fevereiro, três integrantes da banda punk Pussy Riot cantou uma “oração punk” na Catedral do Cristo Salvador, principal igreja de Moscou, protestando contra o presidente Vladmir Putin e seus laços com lideranças da Igreja Ortodoxa Russa (laços condenáveis pela própria constituição do país). O grupo já vinha questionando a política autoritária de Putin, apoiada pelos religiosos. Autoritarismo confirmado durante e após o processo. Elas ficaram cinco meses detidas antes do julgamento, quando duas delas foram condenadas a dois anos de prisão (o que segundo a anistia internacional, poderia ser convertido em multa).

Os dois protestos, dentro de um templo cristão, chocaram. Mas seus efeitos foram diferentes. O choque é um recurso de protesto necessário. As conquistas de igualdade e democracia que tivemos não ocorreram através de um “por favor, senhor, será que poderíamos, se não for muito incômodo, ser livres e iguais perante a lei?”. Não à toa, as integrantes do Femen, lindas e esbeltas, saíram nas páginas dos jornais sim... e só. Já a oração das Pussy Riot ainda ecoa na Rússia, e também na opinião internacional sobre o governo Putin. O propósito de um protesto deve estar firme, e muito bem pintado na cabeça dos ativistas, antes de ir pro cartaz.

5 comentários:

  1. O que é, neste mundo de compreensões artificiais, levar o rótulo de "feminista"? E elas são é sujas e têm as pernas finas. Poluição visual e protesto fora de hora - igual "fizemos" com a cubana aqui no Brasil - Salvador, Feira etc.

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    1. Acompanho o blog já algum tempo pelas postagens no facebook. Acho muito interessante e me identifico com ele porque sou feminista desde que me conheço por gente, muito antes de saber o que essa palavra significada. Também acompanho vários outros blogs e sites sobre o tema, além da participar de grupos de discussões e marchas na rua.

      Nós, feministas, nos irritamos muito quando pessoas de fora dão de dedo na nossa cara: "por que vcs perdem tempo protestando contra o machismo? Já conquistaram muitas coisas, vão lutar por coisas mais importantes como a fome no mundo, contra o corrupção..." E por aí vai os tantos comentários que temos que ouvir.

      Não sou a favor do Femen, eu mesma me incomodo com a metodologia delas como a imposição machista da beleza para a seleção das integrantes, o discurso vazio e tal. Mas no final das contas, com discurso raso ou não, elas aparecem, chamam atenção da mídia, boa parte da população sabe que existe e têm visibilidade internacional. Usam a própria ferramenta do sistema para protestar: a mídia. Se apoderam de seus corpos, discurso também defendido por nós.

      E nós acadêmicas o que fazemos? Discussões intelectuais em salas, nas faculdades, nos blogs, nos sites, marchas normatizadas uma vez por ano? Se fossemos fazer uma pesquisa na rua, "qual é o primeiro o nome de movimento feminista quem vem à cabeça", imaginam qual seria a resposta?

      Juntar os grupos seria algo improvável pelas metodologias adotadas, mas é mesmo necessário criticar com tanto afinco? Não estamos cometendo o mesmo erro do qual sofremos: tentando criar a cartilha da forma "correta de se fazer protesto feminista"? Precisamos mesmo gastar tanta energia combatendo os outros grupos?

      Cada uma luta com o que tem.

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  2. Laís, entendo sua questão e a necessidade de se chegar na mídia e não ficar apenas na teoria, no blablablá, e termos visibilidade de fato. Isso também é uma preocupação nossa, nós também queremos "aparecer".

    Mas até que ponto só "aparecer" realmente faz o movimento ficar forte? Eu sou a favor de "aparecer", se for pra apresentar argumentos e questões realmente bem formadas e com um pensamento sério por detrás.

    O próprio texto cita belamente o "aparecimento" polêmico das Pussy Riots, que têm uma postura bem diferente do Femen, que apenas aparece nos jornais como uma notinha, causa raiva nos mais conservadores e deleite aos adoradores de peitos, e em menos de um mês cessa. Acaba. Não gera discussão de fato na sociedade. No máximo comentários como "ah, aquelas mulheres que aparecem por aí com peito de fora escrito 'alguma coisa'". Alguém lembra do "alguma coisa"? As Pussy Riots têm visibilidade até hoje, e se o ato delas não tivesse questões políticas e sociais bem solidificadas por trás, seria só mais uma "baderna".

    Acho que é necessário criticar, sim. Acredito que a única premissa de uma cartilha feminista seria, além de defender os direitos iguais, embasar seu discurso para que ele não só tenha reconhecimento, mas faça sentido.

    Precisamos gastar energia combatendo coisas com as quais não acreditamos, principalmente dentro do movimento feminista. Há quem se considere feminista e tenha posturas revanchistas e de misandria, por exemplo, e essa é a primeira coisa que devemos combater para ter um movimento coerente.

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  3. A postura de vocês com relação às meninas da Femen é a mesma postura dos macus com relação aos Sanctus. Veja isso: http://afarsasexista.wordpress.com/

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    1. Felipe, primeiro, "vocês" quem? O texto é assinado pela Bianca, e ainda que eu, por exemplo, concorde com a análise dela, não cabe aqui incluir sete pessoas diferentes num texto escrito por apenas uma mão.
      E nada mais importante do que a reflexão sobre si mesmo, é assim que se avança. Refletindo sobre, compreendo que o Femen não me representa, não apoio a sua inconsistência e se declaram "neofeministas", como até agora eu não entendi exatamente o que viria a ser, repito: não me representam.
      Então, não é porque tem feminismo no meio que eu vou dizer amém para tudo. Que protesto é esse? Qual o intuito e quais os métodos?
      O blog que você linkou equipara o feminismo ao masculinismo e coloca o Femen e os sanctus no mesmo patamar, oras, eu discordo plenamente e em momento algum se fez isso. A crítica aqui é consistente e real, o feminismo existe no Brasil há eras e agora, nossa cara é o Femen, ainda que contra a vontade de muitos feministas. Declarar nossa posição perante isso, nada tem de semelhante com os mascus, por favor né.

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