domingo, 25 de março de 2012

Guest post: Ni santas, ni putas, sólo mujeres


A claridade acerba que sentia nas mãos molhadas de suor, a que vinha vagamente da direção da janela antiquada, excitava Clara todas as manhãs. Apertava o lençol com as unhas bem cuidadas, conservando o fôlego e segurando com firmeza aquela pequena extensão da Terra. Não podia flutuar nua pela janela, contorcendo-se, prostituta.

Nunca fora de sua natureza gemer. Sabia que sua toada alcançaria o remoto, temia que o Deus a ouvisse clamando pela virilidade do demônio. Temia a fogueira da prevaricação, as ordens do Papa, as penitências do Padre João-qualquer. Ansiava masculinidade pra si, os direitos do mundo, o banal que se ganha com testículos e pelos na face. Mas a vida a fez bruxa de beleza tão feminina que exalava recalque.


Último suspiro, o alívio.


Encantada pela imperfeição solitária do corpo, Clara abriu os olhos pretos com os quais comia o outro lado da janela, os olhos de Maria Madalena que amaram Jesus pela primeira vez, os que viram as tuas pedras, meu leitor, não lançadas. Enrolou-se numa manta azul-sagrado. Abriu os braços, como a águia que bate as asas apavorada no solo pelo prazer de voar. Era o fim do ritual. O Sol recuava satisfeito, lavando Clara com rubro.


Rezou sem dizeres. Amou a si mesma acima de todas as coisas. Rogai.





Texto de Marlen Couto, convidado do blog para compartilhar sua chatice. Para ler mais, conheça o blog dele clicando aqui.

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