terça-feira, 8 de maio de 2012

Contagem Regressiva


Pegou o pacote de papel pardo em cima da escrivaninha de seu quarto e, cuidadosamente, retirou toda fita que o envolvia. Tirou seu embrulho, o amassou, pegou o revólver -

Cinco – e assim começaram seus últimos minutos. Em pé, com aquela Rossi274 na mão, olhava em volta e sabia que algo estava faltando. Seus pensamentos iam e vinham sempre altos, chegando onde muitos pássaros não conseguiriam. Produzia telas e não punha títulos; fazia obras monumentais e não conseguia explicá-las; pintava o cristo redentor de vermelho e o nebulava com a ausência de algo. Ele não conseguia transmitir suas idéias de um jeito em particular, que tanto admirava. Aquele homem tinha problemas com a palavra. Olhando para o chão manchado de tinta, - Quatro - permaneceu completamente paralisado, tentando formular dessa vez não mais imagens em sua cabeça, mas frases.  Fechou os olhos; nada lhe vinha à mente.  Nunca conseguiria formular frases tão bonitas quanto as que tinha acabado de ler. Nunca conseguiria se expressar oralmente do jeito que realmente queria. Foi em direção a mesma escrivaninha que tinha pegado o pacote da arma que, sem largá-la de sua mão, folheou o esplêndido e agora assassino livro. Cada frase fazia todo o sentido, - Três – cada vírgula se encaixava como uma luva em cada oração, cada adjetivo era tão sonoro quanto o som do mar em dia de ressaca; era como ver, para ele, a tela mais simétrica e sobretudo mais harmônica tanto em cores quanto em formas. Súbita, uma lágrima pingou na quinquagésima quinta página do livro – seria em vão enxugá-la, agora. Fechou-o, cuidadosamente. Aquela escrivaninha era desorganizada, mas tinha tudo o que ele precisava naquele momento. Embaixo de um caderno, - Dois - pegou o bloco de post-it verde e retirou uma folha. Procurou a caneta mais grossa, mais marcante; achou um hidrocor preto. Ainda sem largar o revólver da mão escreveu algo, que pela primeira e última vez na sua vida lhe parecia condizente com seu momento de crise. Colou-o na contracapa do livro, o segurou firme pela mão esquerda e deu dois passos para trás. Abaixou e colocou o livro no chão, com a capa virada para baixo e seu bilhete para cima. Se levantou. Agora tinha apenas a Rossi274, o que fazia sua mão suar de nervoso - Um –  e em parte por causa de sua empunhadura de borracha. Toda a tinta azul que não tinha saído de suas mãos e unhas com água e sabão no dia anterior saía agora, de uma vez. Levantou a arma para checar o número de balas: eram cinco. Daria para, em apenas um aperto no gatilho, fazer o que queria. Lentamente a levantou mais em direção ao seu rosto e a encostou três dedos acima de sua orelha direita, sentindo por cima do cabelo curto o gelado do metal. Olhou pela última vez para o livro – Zero – e apertou o gatilho.

O bilhete e o livro que tinha deixado continuaram quase completamente intactos, com apenas três gotas de sangue que caíram: duas no livro e a outra, a mais cilíndrica e estética, sobre o ponto final do que havia escrito no post it: “Palavra.”

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