Pegou o pacote de papel pardo em
cima da escrivaninha de seu quarto e, cuidadosamente, retirou toda fita que o
envolvia. Tirou seu embrulho, o amassou, pegou o revólver -
Cinco – e assim começaram seus
últimos minutos. Em pé, com aquela Rossi274 na mão, olhava em volta e sabia que
algo estava faltando. Seus pensamentos iam e vinham sempre altos, chegando onde
muitos pássaros não conseguiriam. Produzia telas e não punha títulos; fazia
obras monumentais e não conseguia explicá-las; pintava o cristo redentor de
vermelho e o nebulava com a ausência de algo. Ele não conseguia transmitir suas
idéias de um jeito em particular, que tanto admirava. Aquele homem tinha
problemas com a palavra. Olhando
para o chão manchado de tinta, - Quatro - permaneceu completamente paralisado,
tentando formular dessa vez não mais imagens em sua cabeça, mas frases. Fechou os olhos; nada lhe vinha à mente. Nunca conseguiria formular frases tão bonitas
quanto as que tinha acabado de ler. Nunca conseguiria se expressar oralmente do
jeito que realmente queria. Foi em direção a mesma escrivaninha que tinha pegado
o pacote da arma que, sem largá-la de sua mão, folheou o esplêndido e agora assassino
livro. Cada frase fazia todo o sentido, - Três – cada vírgula se encaixava como
uma luva em cada oração, cada adjetivo era tão sonoro quanto o som do mar em
dia de ressaca; era como ver, para ele, a tela mais simétrica e sobretudo mais
harmônica tanto em cores quanto em formas. Súbita, uma lágrima pingou na quinquagésima
quinta página do livro – seria em vão enxugá-la, agora. Fechou-o,
cuidadosamente. Aquela escrivaninha era desorganizada, mas tinha tudo o que ele
precisava naquele momento. Embaixo de um caderno, - Dois - pegou o bloco de post-it verde e retirou uma folha.
Procurou a caneta mais grossa, mais marcante; achou um hidrocor preto. Ainda
sem largar o revólver da mão escreveu algo, que pela primeira e última vez na
sua vida lhe parecia condizente com seu momento de crise. Colou-o na contracapa
do livro, o segurou firme pela mão esquerda e deu dois passos para trás.
Abaixou e colocou o livro no chão, com a capa virada para baixo e seu bilhete
para cima. Se levantou. Agora tinha apenas a Rossi274, o que fazia sua mão suar
de nervoso - Um – e em parte por causa de
sua empunhadura de borracha. Toda a tinta azul que não tinha saído de suas mãos
e unhas com água e sabão no dia anterior saía agora, de uma vez. Levantou a
arma para checar o número de balas: eram cinco. Daria para, em apenas um aperto
no gatilho, fazer o que queria. Lentamente a levantou mais em direção ao seu
rosto e a encostou três dedos acima de sua orelha direita, sentindo por cima do
cabelo curto o gelado do metal. Olhou pela última vez para o livro – Zero – e
apertou o gatilho.
O bilhete e o livro que tinha deixado continuaram quase completamente intactos, com apenas três gotas de sangue que caíram: duas no livro e a outra, a mais cilíndrica e estética, sobre o ponto final do que havia escrito no post it: “Palavra.”
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