Hoje, dia 11 de abril de 2012, o STF julga a dispensa da autorização judicial para o aborto de fetos anencéfalos, isso é, sua descriminalização. Esse tema tem sido muito recorrente na mídia, mas acho importante me manifestar, porque acredito que opiniões devem ser profundamente repetidas, de forma a, como um coro, em uníssono, tornarem-se mais audíveis.
Ao longo do dia acompanhei pelo twitter e pelo facebook a votação, e uma coisa me chamou a atenção: as manchetes dos jornais que noticiavam o fato. “Julgamento do aborto de fetos anencéfalos”, “Ministros votam a favor do aborto de fetos anencéfalos”. Seja pelo número limitado de caracteres disponíveis, seja propositalmente, o uso das palavras nesse caso gera uma distorção inaceitável. O que se julga, e o que se posiciona a respeito, não é o aborto em si, se é ou não a posição “correta” a se adotar, mas sim o direito da própria gestante em decidir. Esses juízes não têm o direito de julgar sobre o corpo das mulheres que geram um anencéfalo, apenas elas mesmas o tem. E é esse reconhecimento que está em jogo.
No caso do feto diagnosticado como anencéfalo, o direito constitucional à vida não entra em jogo. Isso pode ser afirmado seguindo o mesmo conceito que já é amplamente aceito no entendimento de morte cerebral. Não se trata de interromper uma vida, uma vez que é aceito que sem atividade cerebral (ou sequer possibilidade dela), ela não existe. Um feto anencéfalo só mantém suas funções orgânicas por estar preso à mãe, assim como um indivíduo com morte cerebral por estar ligado a aparelhos.
Considerando-se isso, todos os demais argumentos em relação à manutenção dessa gestação são de foro pessoal, moral ou religioso. Por isso a liberdade de escolha. A única vida e dignidade que estão e jogo são as da gestante. Pela crença de muitos, não se pode obrigar outras muitas a conviver com esse martírio até a hora de um parto que não carrega em seu conteúdo a esperança da vida. Para algumas se tratará apenas de um aborto que veio tarde demais, que agora lhe dá um filho morto nos braços por enterrar.
O grande tabu dessa questão reside na sombra que ela traz do fantasma que é a palavra aborto. Esse, em uma forma mais geral, é uma questão completamente distinta, mas que devemos lutar para manter fora do limbo que é o silêncio do Estado, uma condenação tácita.
De novo, aqui caímos em uma questão problemática: o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, mas de uma personagem que é frequentemente ignorada em prol do nascituro: a gestante. Hoje é um fato que aquelas decididas a realizar o aborto irão fazê-lo, independente do que rege a lei. Essas mulheres consideram-se soberanas do próprio corpo. É aí que surge uma distinção extremamente cruel: aquelas que podem pagarão por uma boa clínica, com bons médicos que realizem ilegalmente o procedimento. Aquelas que não podem o farão dos modos mais arcaicos e terríveis que se pode imaginar. Muitas vezes irão causar sequelas ao seu corpo e terão que recorrer, com grande ônus, ao SUS. Outras, sequer sobreviverão. Precisamos defender a dignidade de uma pessoa que causa uma enorme violência ao próprio corpo ao buscar um aborto ilegal, em geral em um momento de completo desespero.
Interromper uma gestação NUNCA é uma decisão fácil. E nesse momento tão difícil da sua vida a última coisa de que uma mulher precisa é ter que encarar juízes e advogados, como as brasileiras que geram um feto sem chances de vida, ou verdadeiros açougueiros, aborteiras de fundo de quintal, como milhões de mulheres que buscam os abortos clandestinos. Elas precisam do apoio de médicos, psicólogos, assistentes sociais, pessoas preparadas para auxiliá-las e orientá-las nessa decisão. Condenar essas mulheres criminalmente é um absurdo ainda maior, é como uma forma de torturá-las ainda mais.
Essa é uma questão de liberdade, não de opinião. Defender a descriminalização não significa defender o aborto. Pessoalmente, por motivos pessoais e religiosos eu sou contra essa prática e dificilmente acredito que conseguiria encarar um aborto. Mas tampouco posso dizer que não o faria, pois seria muita hipocrisia achar que eu, ou qualquer um que nunca se deparou com essa decisão, possa sequer imaginar como essas mulheres se sentem. Especialmente aquelas que geram fetos anencéfalos. É uma tortura inimaginável gerar na ausência da vida.
Amanhã os ministros terminarão de proferir seus votos. Ficamos aqui aguardando uma decisão final, embora não definitiva. Mas é um passo. Precisamos ainda esperar, (im)pacientemente, pela não inércia dos nossos legisladores, que com medo de se “expor”, calam-se. Esperamos pela consciência do brasileiro para perceber que essa escolha foge da alçada do Estado. Cabe a ele, apenas, conceder a liberdade de escolha. Sim, estamos em defesa da vida, e é pela sua valorização que esperamos. Da vida com dignidade.
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