sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Meu nome não é Eponine



   Já escrevi aqui sobre Os Miseráveis como um todo com uma análise bem viajante de alguns personagens centrais e do final (sendo obra de ficção, podemos analisar como bem entendermos, ponho “viajante” apenas por que sei que Victor Hugo era um liberal e tirei tudo da minha fértil cachola) e deixei, de propósito, para fazer um texto à parte sobre Eponine. Tá, não tão de propósito assim, mas fez-se necessário.
   Gosto muito, como eu mesma autora de ficção, da personagem Eponine e desprezo categoricamente Cosette. Acho-a totalmente plana, tolinha e o estereótipo da mocinha burguesa (“de meia-tigela” nas palavras da sábia Eponine) que nunca me cativou em história nenhuma. Mas, para falar de Eponine, é necessário olhar para todas as mulheres que aparecem em Os Miseráveis.
       Quem somos, nas lentes de Victor Hugo? Somos pobres moças, arrastadas pelas incontingências do destino a sofrer com resignação, somos seres ambiciosos e cruéis que participam de maldades em relação a outras pessoas, somos trabalhadoras, somos mães, mas não somos revolucionárias. Como não? E Eponine? Eponine é uma lutadora, sim. Luta contra a miséria, luta contra a polícia que persegue os pobres, luta para se manter viva. Mas não luta contra um sistema. Não por convencimento, não por ela mesma e pelxs outrxs. Ela luta por Marius (no Movimento Estudantil, chamamos esse tipo de coisa de “tática 2”, mas isso são outros 500).
      Como autora, como uma romântica incorrigível, acho lindo histórias em que as pessoas amam a tal ponto que morrem por outrem. Choro convulsivamente com “On my own” e “A little fall of rain” e acho a relação do Marius com a Eponine muito bonitinha. É uma amizade sincera, da parte dele, e um amor devotado e desinteressado (com um breve deslize de imaturidade), da parte dela.
       Então qual é o problema, Maria? Por que você está tão incomodada com Eponine?
      O problema é que, em Os Miseráveis, Eponine é a única mulher a lutar na barricada. E ela não está ali por um ideal! Ela não está ali contra o Estado, não está ali por revolução nenhuma! Está para morrer com Marius, por Marius! O problema em Eponine ser o único rosto feminino entre os revolucionários é que isso apaga mulheres como Louise Michel, uma das poucas a ter seu nome registrado na História, mas uma das muitas a lutar nas inúmeras revoltas populares da França! Colocar a única mulher “revolucionária” como uma adolescente apaixonada é nos confinar ao mesmo estereótipo de sempre de bichos sentimentais, incapazes de pensar, criar, inspirar, aspirar, lutar por nós mesmas, por nossos ideais e não por homens e filhos.
Somos mais do que damas e mães, somos seres humanos completos e, quando a ficção insiste em nos negar vozes ativas nas histórias, está apenas se reproduzindo a eliminação sistemática das vozes ativas femininas na História.

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