terça-feira, 24 de julho de 2012

A culpa é do Fidel! e o recorte feminista.


La Faute à Fidel, impressionantemente o primeiro filme de Julie Lavras, é uma produção encantadoramente bela e traz ao espectador a simples, curiosa e irreverente visão de uma criança (Anna de la Mesa interpretada por Nina Kervel-Bey) em tempos de mudanças domiciliar, familiar e ideológica.

Anna,  francesinha burguesa de apenas 9 anos, levava uma vida tranquila e regrada com sua família num grande apartamento em Paris. A pequena dama adorava as aulas de catequese de sua escola católica e adorava também sua babá cubana, Filomena. Esta a alertava sobre os perigos trazidos pelas ideias de Fidel e seu exército de vermelhos barbudos, ou os comunistas, aqueles que querem tudo de todos.

Mas a vida boa de Anna não resistiu ao tempo de efervescência da década de 70. Tudo começa com a morte de seu tio militante comunista, na luta contra a ditadura espanhola. Após esse episódio, seus pais engajam-se politicamente: o pai com a candidatura de Allende no Chile e a mãe com o movimento feminista.

Típico barbudo a ser temido, ou não, vamos combinar que o cara é charmoso!
O que Anna mais temia, invadiu sua vida. Homens barbudos e mulheres ciganas começaram a frequentar sua casa – que agora não era abastada, mas pequena e sem jardim – e as concepções de mundo da pequena Anna tornam-se confusas. Ela não estava preparada e não aceita tamanhas mudanças. A inocência e, ao mesmo tempo, sabedoria do olhar infantil são um ponto interessante do filme. Os milhões de “porquês?” de criança desarmam a seriedade e inflexão dos adultos e costuram o enredo do filme.

A multiculturalidade, mitologia, ativismo de esquerda e o feminismo são interpretações do mundo que causam estranhamento à Anna, e, como resposta, ela demonstra uma tremenda resistência. Julie Lavras borda em imagens uma revolução pessoal em meio às revoluções do mundo.

O filme aborda marcos históricos como o franquismo, a eleição de Salvador Allende, o golpe militar no Chile em 1973, a Guerra do Vietnã, a Revolução Cultural na China, a Revolução Cubana, e (como Chata, tenho que salientar) o feminismo, que na época estava em sua segunda onda. Podemos salientar,  duas reinvindicações feministas importantes nesse contexto histórico: “Nosso corpo nos pertence” e “O pessoal é político”.

Uma companheira causando
nos anos 70
Esta primeira trata sobre a demanda das mulheres pelo controle de seu próprio corpo e sexualidade, tendo como bandeira principal a legalização do aborto. Achei interessantíssimo La faute à Fidel, tratar de forma privilegiada sobre a temática. Marie, mãe de Anna, em sua militância feminista se dedica ao debate sobre o aborto.

A segunda reinvindicação aparece no filme como crítica a como o feminismo sofre com os resquícios do machismo nos movimentos revolucionários de esquerda. Sem feminismo não há comunismo, diziam as feministas da década de 70. Toda mulher deve ter o direito de se politizar. Quem já assistiu, ou pretende assistir, perceberá a crítica nesse ponto. Mesmo em um cenário libertário, Marie se vê impedida por seu marido de escrever, ou falar, sobre política. A ela, cabe apenas a luta feminista e não a política.

La faute à Fidel é um filme imperdível, não só para os amantes do cinema francês, mas para os apreciadores de cinema ideológico, ou, praqueles que valorizam um filme que instiga e deixa um debate. É belo ver, em um mundo em ebulição, a construção uma identidade, mas, uma construção que ocorre por meio de questionamentos e não por mera aceitação. A sinceridade e curiosidade de uma criança que borboleteia no mundo dos adultos é, de forma lúdica, um tapa na cara dessa nossa sociedade que perpetua preconceitos e tabus.

“Como você diferencia espírito de grupo de comportamento de ovelha?”

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