La Faute à Fidel, impressionantemente o primeiro filme de Julie
Lavras, é uma produção encantadoramente bela e traz ao espectador a simples,
curiosa e irreverente visão de uma criança (Anna de la Mesa interpretada por Nina
Kervel-Bey) em tempos de mudanças domiciliar, familiar e ideológica.
Anna, francesinha burguesa de apenas 9 anos, levava
uma vida tranquila e regrada com sua família num grande apartamento em Paris. A
pequena dama adorava as aulas de catequese de sua escola católica e adorava
também sua babá cubana, Filomena. Esta a alertava sobre os perigos trazidos
pelas ideias de Fidel e seu exército de vermelhos barbudos, ou os comunistas, aqueles
que querem tudo de todos.
Mas a vida boa de Anna não
resistiu ao tempo de efervescência da década de 70. Tudo começa com a morte de
seu tio militante comunista, na luta contra a ditadura espanhola. Após esse episódio, seus pais engajam-se politicamente: o pai com a candidatura de Allende no
Chile e a mãe com o movimento feminista.
Típico barbudo a ser temido, ou não, vamos combinar que o cara é charmoso! |
O que Anna mais temia, invadiu
sua vida. Homens barbudos e mulheres ciganas começaram a frequentar sua casa –
que agora não era abastada, mas pequena e sem jardim – e as concepções de mundo
da pequena Anna tornam-se confusas. Ela não estava preparada e não aceita
tamanhas mudanças. A inocência e, ao mesmo tempo, sabedoria do olhar infantil
são um ponto interessante do filme. Os milhões de “porquês?” de criança desarmam
a seriedade e inflexão dos adultos e costuram o enredo do filme.
A multiculturalidade, mitologia,
ativismo de esquerda e o feminismo são interpretações do mundo que causam estranhamento
à Anna, e, como resposta, ela demonstra uma tremenda resistência. Julie Lavras
borda em imagens uma revolução pessoal em meio às revoluções do mundo.
O filme aborda marcos históricos
como o franquismo, a eleição de Salvador Allende, o golpe militar no Chile em
1973, a Guerra do Vietnã, a Revolução Cultural na China, a Revolução Cubana, e (como
Chata, tenho que salientar) o feminismo, que na época estava em sua segunda
onda. Podemos salientar, duas reinvindicações feministas
importantes nesse contexto histórico: “Nosso corpo nos pertence” e “O pessoal é político”.
Uma companheira causando nos anos 70 |
Esta primeira trata sobre a
demanda das mulheres pelo controle de seu próprio corpo e sexualidade, tendo
como bandeira principal a legalização do aborto. Achei interessantíssimo La faute à Fidel, tratar de forma
privilegiada sobre a temática. Marie, mãe de Anna, em sua militância feminista
se dedica ao debate sobre o aborto.
A segunda reinvindicação aparece
no filme como crítica a como o feminismo sofre com os resquícios do machismo
nos movimentos revolucionários de esquerda. Sem feminismo não há comunismo,
diziam as feministas da década de 70. Toda mulher deve ter o direito de se
politizar. Quem já assistiu, ou pretende assistir, perceberá a crítica nesse
ponto. Mesmo em um cenário libertário, Marie se vê impedida por seu marido de
escrever, ou falar, sobre política. A ela, cabe apenas a luta feminista e não a
política.
La faute à Fidel é um filme imperdível, não só para os amantes do
cinema francês, mas para os apreciadores de cinema ideológico, ou, praqueles
que valorizam um filme que instiga e deixa um debate. É belo ver, em um mundo
em ebulição, a construção uma identidade, mas, uma construção que ocorre por
meio de questionamentos e não por mera aceitação. A sinceridade e curiosidade de
uma criança que borboleteia no mundo dos adultos é, de forma lúdica, um tapa na
cara dessa nossa sociedade que perpetua preconceitos e tabus.
“Como você diferencia espírito de grupo de comportamento de ovelha?” |
Nenhum comentário:
Postar um comentário