domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre mães, partos e barrigas

Então você nasce e te dão bonecas, tem sempre uma que enjoa, vomita e tem vontade de comer algo estrambólico. Em pouco tempo aparece uma barriga feita de pano ou uma bolinha qualquer, daí tem o dia do parto e a brincadeira fica engraçada, você escolhe o nome, se são gêmeos, trigêmeos, um time de futebol! Sua boneca sai toda exibida, levando os filhinhos pra escola, ela envelhece e você continua a brincar no dia seguinte com os que nasceram do ventre de pano. 

Eis que chega o tempo em que você já não brinca mais com as bonecas e corre o risco de viver o que encenava, você pode engravidar. E analisando, o papel da mulher na sociedade está altamente ligado ao seu corpo, os ritos que demarcam as mudanças também. Nascemos menina e então vem o sangue se esvair na menstruação, aprendemos o que é cólica e que não se pode sentar em calçadas quentes. Viramos moça e vem o sangue se esvair com a virgindade, aprendemos que é preciso “dar-se respeito”, ou seja, não se dar para quem quisermos, caso contrário, a coisa fica bem feia. A partir daí dizem que somos mulheres, mas ainda há mais sangue para se esvair, no parto de uma criança que brincou de roda em nossos ventres. Só quando o sangue para, quando a menopausa nos alcança, parece que podemos descansar nossas veias e pensar noutras coisas. Mas aí talvez já seja bem tarde. 

Por isso a maternidade é opção. E, num planeta no qual a espécie predominante tem cerca de sete bilhões de indivíduos com uma expectativa de vida que só cresce e capacidade de controlar grandes epidemias, dar continuidade à essa população não é prioridade. Na verdade, temos que diminuir os índices de natalidade, isso sim. Então, se você acha que uma mulher que não quer filhos é uma herege que blasfema a cada respiração, se ligue, pessoa. 

A maternidade é opção, repito, mas é bem sabido que as que escolhem por ela têm uma responsabilidade vitalícia. Toda mulher é mãe. Há tempos de ser mãe da boneca, mãe do irmãzinho, mãe do marido e dos próprios filhos. Há mulheres que são mães de uma causa, e a defendem como a uma cria. Ela é mãe dos oprimidos, mãe dos feridos, mãe dos que não têm mãe. A maternidade é um movimento com uma única ideologia: o amor.

E dessas tantas mães, as que decidem por uma maternindade biológica, vivem uma metamorfose, como se ela própria entrasse em seu útero, o casulo, junto com seu filho, para no romper da bolsa saírem ambos, cada qual com um mundo novo a descobrir.

Desenho japonês de 1930 que
apresenta técnicas de massagem para
facilitar o parto
Há ainda quem queira marcar esse rompimento com o laço da luta, de quem sofreu para poder embalar a felicidade nos braços. As mulheres que optam e conseguem seguir com o parto normal- há que se ressaltar que algumas precisam fazer cesariana por questões de saúde- além de ter uma recuperação mais rápida, relatam a satisfação de terem guiado seus filhos até aqui de forma natural, como é feito há séculos. O parto faz parte do ciclo reprodutivo da mulher, e a cirurgia que o permite ser indolor é algo muito recente, além de muito invasivo para a mãe.

Claro que é devido o reconhecimento das técnicas de obstetrícia. Prova disso é a considerável redução no índice de mulheres que morrem por conta de complicações no parto, muito comum nos séculos passados. Mas essas técnicas podem sim fugir da intervenção cirúrgica e buscar um parto natural e humanizado. Em países de alto índice de desenvolvimento humano, como Holanda e Suécia os partos naturais são maioria, e muitas vezes feitos em casa.

Ilustração de parturiente e parteira Kiowa
Já há grupos também no Brasil que acompanham a mulher no pré e pós parto natural em casa, auxiliando no alívio da dor e nos primeiros cuidados, como o Samaúma. Embora a cesárea, seja mais rápida e com "menos dor", e tenha se tornado mais comum no nosso país, ainda dá pra tornar mais humanizado o primeiro momento em que berramos ao mundo que assim o somos: humanos. Dados do Ministério da Saúde mostram que "em 2010, o Brasil registrou mais cesarianas do que partos normais. Enquanto em 2009 o País alcançava uma proporção de 50% de partos cesáreos, em 2010, a taxa subiu para 52%. A Organização Mundial da Saúde recomenda que essa taxa fique em torno de 15%. Na rede privada, o índice de partos cesáreos chega a 82% e na rede pública, 37%". ¹

E esse crescimento de cesáreas significa algo. O parto, antes de qualquer coisa, é o desfecho da gravidez, por que colocar-se não como protagonista dele, mas sim como figura passiva, que para não sentir dor, não sentirá nada? O debate normal x cesárea tem se mostrado frutífero e parece despertar interesse do governo, que em 2011 criou a Rede Cegonha, "uma estratégia do Ministério da Saúde, operacionalizada pelo SUS, fundamentada nos princípios da humanização e assistência". Projeto muito interessante, que se colocado em prática, modificaria a realidade da maternidade no Brasil. 

O que fica de lição é a possibilidade de escolha que a mulher deve ter, claro que um parto cesáreo em casos de complicações médicas não deve ser questionado, mas será que todos os partos cirúrgicos que acontecem em nosso país são necessários?

Para os que se encantam com a beleza de parir e para os que ainda acham algo "nojento", um vídeo emocionante:


O site Amigas do Parto esclarece muita coisa sobre o milagre de parir, como por exemplo, os tipos de parto e a história deles, além de dados científicos sobre, as recomendações da Organização Mundial de Saúde, entre outras cositas más. Indico.

E para finalizar, um poema de Elisa Lucinda: 

"Filho...igualzinho à minha poesia
Você nunca foi meu órgão

Capaz de prosseguir com essa invenção chamada humanidade
Você é a barbaridade de ter feito a minha barriga crescer
Meu corpo zunir, abrir, escancarar pra você sair
De onde eu nunca pus sequer os pés, as mãos
Da casa em que vivo e habito sem nunca ter entrado
E haverá sempre um leite materno.


Olhou as minhas entranhas enquanto virava ser humano
Quieto dentro de mim como as palavras antes de serem poesia
Mas fui apenas uma pensão, uma besteira
Ou um hotel cinco estrelas
Ou um amniótico colchão

Hoje saído dessa embalagem, me olhas como miragem

De parecer tão próprio, tão seu...
Deixar de ser óvulo, indefinição, projeto, embrião...

Escorrendo pelo seu terno
Como mirra, benção, distração
Como birra, alimento, maldição
Maior que em mim, melhor que mim.
Está pronto e feito como o meu melhor poema..."

Referências:

OBS: O texto foi produzido em conjunto, por Ananda Marques e Bianca Sampaio, duas criaturas que desejam tornar-se o mundo e oblongamente acolher a vida dentro de si. Ananda quer duas ou três crianças, o importante é que tenham nomes de quatro letras e Bianca quer três, pra caber todo mundo num carro só.


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