quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

"Do amor e outros demônios"


"...então Zeus cortou ao meio as criaturas, para tornar-lhes mais humildes. Passaram eles a procurar a metade perdida na vã tentativa de ser completos novamente". O mito da alma gêmea, apresentado no livro "O Banquete" de Platão, conta como os seres humanos, que antes eram andróginos, foram separados em castigo e se tornaram um só, para despender a vida na busca um do outro. Essa explicação para o amor se modificou ao longo da história, encontrou no amor romântico um nicho fértil e até hoje permeia o imaginário emocional das pessoas. Afinal, quem não desejaria ter alguém para completar-se?

O espiritismo endossa essa ideia, não de que teremos todos uma metade, mas que existem almas afins e que buscam evoluir juntas e para as quais separar-se a cada morte é o motivo para buscar-se na nova vida. Na tradição judaico-cristã Adão foi criado à imagem e semelhança de Deus e Eva a partir de sua costela, sendo assim, carne de sua carne, sangue de seu sangue, sendo estabelecido o matrimônio, a união eterna sob os olhos divinos. Há mais de 2 mil anos nossas histórias e crenças contam sobre os sentimentos que surgem e ensinam como devemos lidar com eles. E assim seguimos quase todos muito bem.

E se não me bastar uma só pessoa? E se eu quiser duas? E se eu não quiser nenhuma? Logo a coercitividade social aplaca qualquer sinal de variação, é taxado de promiscuidade, bizarrice. Mas vivemos mudanças, ainda bem.

Há vinte anos atrás a palavra "ficar" não fazia parte do vocabulário adolescente, eles namoravam, paqueravam, etc etc. Mas beijar alguém era sinônimo de comprometimento. Sei disso pelos relatos que escuto desde criança, talvez noutros lugares fosse diferente, provavelmente haviam outros comportamentos também, é claro. Mas em suma, os jovens tinham mais "relacionamentos sérios". 

Hoje, ainda bem, praticam-se outras coisas. Numa só festa fica-se com mais de uma pessoa e não só em festas - que antropologicamente falando, podemos ver como um momento de inversão comportamental, numa festa é permitido fazer tudo o que a sociedade coloca à margem como postura condenável, vide álcool, sexo, dançar etc etc - mas também na vida cotidiana, nos permitimos ficar com várias pessoas simultaneamente, ou seja, manter laços afetivos. Entretanto ainda é tabu ter mais de um relacionamento.

Porque ter mais de um relacionamento, declaradamente, mexe com o ego da nossa personalidade social, é o demônio da infidelidade. Ora, só existe infidelidade porque existe cobrança de que se seja fiel. E a primeira característica  que ligamos à infidelidade é promiscuidade, o cafajeste safado e a vagabunda sem vergonha, reduzimos tudo a sexo. Pior, reduzimos porque ainda consideramos sexo pecado, imoralidade e seria uma ofensa dizer que traição é só sobre isso.

Ou seja, é uma bola de neve.

Se você é hétero e monogâmico, cisgênero etc etc e encontrou ou costuma encontrar uma pessoa só que o faça feliz, parabéns. Ninguém quer que você mude seu jeito de existir. Só queremos que o nosso jeito também seja aceito e respeitado.

O POLIAMOR

O poliamor é não-monogâmico, é a prática, o desejo, a aceitação consensual e responsável de mais de um relacionamento ao mesmo tempo. Não existe traição, existe somente amor. Os questionamentos mais comuns sobre o "grau de normalidade" das pessoas poli são:

~ "Se você não tem certeza de quem ama, não é amor". - Não é uma questão de dúvida, é uma certeza de que se ama mais de um, não há indecisão, nem sacrifício.
~ "Mas como é possível amar mais de um?!" - Como você ama sua mãe, seu pai, seus irmãos, primos, amigos ao mesmo tempo?!
~ "O mundo tá perdido, o que as crianças vão pensar? Como elas vão crescer num mundo assim?" - há pouco mais de cem anos atrás as crianças eram educadas pra pensar que negros eram escravos naturais dos brancos, que mulheres eram servas naturais dos homens, há trinta anos ser gay era doença e tinha "tratamento", por isso, meu caro, as crianças vão aceitar, bem melhor que muito adulto por aí.
~ "É o fim do casamento, da família, da moral e dos bons costumes" - Ser mãe ou pai solteiro é completamente aceitável hoje, por que ter três pais não seria? A família é essa instituição formada por laços afetivos e sanguíneos, a paternidade e maternidade são fenômenos biológicos mas também sociais, vide adoção. Então, não faça escândalo que a humanidade não vai acabar por causa disso.

Deixando  esses mitos reproduzidos pelo senso comum, temos uma questão mais séria, que é a legalização do casamento poli. Atualmente as pessoas podem unir-se a pessoas do mesmo sexo, mas não a mais de uma. Quem sabe daqui a algum tempo a família tenha mais esse tipo de configuração?

O vídeo "Poliamor" traz algumas outras informações  de modo muito didático sobre a realidade das pessoas que vivem relacionamentos poli:


E agora, retratos de relacionamentos que não correspondem ao padrão monogâmico, filmes interessantíssimos e que abordam o tema com delicadeza, paixão e sensibilidade, lidam com o amor da melhor forma possível: com amor.


"Les Chanson D'Amour" (Canções de Amor), filme de 2007 do diretor Christophe Honoré. Um musical ma-ra-vi-lho-so, se tornou de longe o meu preferido! Apresenta o triângulo formado pelos atores Louis Garrel (<3), Clotilde Hesme e Ludivine Sagnier. Fotografia belíssimas, músicas de tirar o fôlego e um desenrolar da história apaixonante! Download aqui.




"Os 3", filme brasileiro de 2011, dirigido por Nando Olival. O trio aqui é formado pelos atores Victor Mendels, Juliana Schalch e Gabriel Godoy. Conta a história de três pessoas que se conhecem numa festa e resolvem morar juntos. Nos quatro anos de faculdade muitas coisas acontecem, mas é só no momento de separar-se que eles percebem que amar não responde a nenhuma fórmula preestabelecida. Download aqui.

Quem tiver mais indicações de filmes ou deseja falar sobre o poliamor, deixe  um comentário!

ps: pretendemos postar mais sobre poliamor, trazer relatos e estudos mais aprofundados sobre o assunto ;)


2 comentários:

  1. Adorei o post! Acompanho o blog sempre e concordo com praticamente tudo, afinal, temos que ter a mente mais aberta para a sociedade. Outros filmes com poliamor:
    Os Sonhadores
    Vicky Cristina Barcelona
    Selvagens

    http://lieaceito.blogspot.com.br/

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  2. Claro! Como esqueci de "Os Sonhadores"?! E o melhor é que traz um caso em que amor não é sinônimo de sexo, ou alguém duvida que os três amam uns aos outros, cada um do seu modo?
    Muito bom saber que você anda por aqui, Isadora! Adorei o blog! Li alguns posts e achei o material muito bom, parabéns!

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