domingo, 10 de maio de 2015

Entre teorias e experiências: minha mãe e o feminismo

Certa vez estava andando com minha mãe e ela me surpreendeu com uma pergunta: “filha, como eu faço para ser feminista?”. Tive vontade de chorar, mas sabia que ali morava o segredo para uma relação maravilhosa com minha mãe. Ela não sabia, mas ela foi a primeira feminista que conheci.

Meu primeiro texto aqui no blog tinha a data de hoje para sair: dia das mães. Sem me ligar exatamente na data, tinha decidido que escreveria sobre sororidade (pacto de irmandade entres as mulheres, sobre o qual também quero escrever mais detalhadamente em outro texto, veja aqui e aqui) e como tinha sido, para mim, a experiência de ter contato solidário com outras mulheres, ainda que com experiências diferentes das minhas, de enxergar nelas pessoas como eu, não pesar sobre elas meus julgamentos moldados por uma sociedade machista que me ensinou a oprimir e a aceitar ser oprimida. Aí vi um desses comerciais de televisão falando sobre o dia das mães, cujo teor da abordagem não vou agora discorrer, e então pensei com carinho em minha mãe e em como foi ali, com ela, que aprendi e aprendo sobre sororidade.

Aí me veio outra coisa: certa vez me perguntaram de qual corrente do feminismo eu era. Juro que não sabia que isso existia porque, para mim, o feminismo era algo simples de explicar – nós, mulheres, tomamos consciência da opressão que nos rodeia em todas as áreas da vida, nos obrigando a seguir um modelo de vida que conceberam sem nosso consentimento e, a partir dessa tomada (dolorosa sim) de consciência, conseguimos encontrar uma liberdade muito boa (e também difícil) de sermos exatamente quem quisermos ser. E isso servia para as mulheres brancas, negras, amarelas, gordas, magras, trans ou cis, etc etc etc) – e eu nem sabia direito que, para ser feminista, eu tinha que ter lido livros teóricos (e não tiro aqui o mérito das escritoras geniais que, de fato, dão uma boa base teórica para a discussão) ou me encontrar em alguma corrente. Senti minha “carteirinha cassada”. E me lembrei da pergunta de minha mãe.

“Não se nasce mulher, torna-se”. Não sei se entendi. Para mim significava justamente o momento em que tomávamos consciência de nosso corpo e de que ele é nosso e de que deve, por ser nosso, corresponder aos nossos desejos (porque foi ali, nessa tomada de consciência, que tornei-me). Mas também penso – e agora volto ao tema central – nos caminhos de tornar-se mulher. Minha mãe é mãe solteira. Embora minha criação tenha envolvido diretamente meu pai também, foi com minha mãe que moraram todos os desafios. E os desafios começavam ser classe baixa, ter 20 anos, não ser casada e ter dois filhos. Ser apontada pelas pessoas, ser julgada. Isso aconteceu há 20 anos atrás, mas acontece ainda hoje. Vejo minhas amigas, jovens mães, sendo julgadas diariamente por ter tido umx filhx como se somente a ela pertencesse a responsabilidade. E, dado o peso dessa responsabilidade, não é dado a nós sequer o direito de decidir manter ou não uma gravidez. Vivemos num país em que o tema do aborto, nos dias atuais, é tratado com o mesmo descaso que era dado na época em que minha mãe estava grávida e antes disso… muito antes disso. O que parece, observando o caminhar de discussões sobre o aborto, é que nosso congresso, juntamente à mentalidade de boa parte da população, infelizmente, estacionou numa época muito distante da nossa. Somos anacrônicos. E mulheres seguem morrendo todos os dias.

Minha mãe, como outras mães, não pôde decidir se manteria ou não uma gravidez, caso contrário seu risco de morte seria grande – e os julgamentos ainda maiores. E quantas de nós já não morremos em iguais condições. Mantendo a gravidez, sobraria agora o resto das disputas diárias da vida: dividir-se em várias jornadas, trabalhar, ser mãe, ser dona de casa e quase não encontrar tempo para desenvolver seus prazeres e desejos. E quantas não são, hoje, exatamente um reflexo do que minha mãe foi. Não se dividem em funções que esmagam, em responsabilidades que não são partilhadas com os homens porque, dizem eles, não lhes cabem nossos afazeres domésticos. Minha mãe, embora excelente, não foi glorificada por nada disso. Tenho certeza, quase que absoluta, se meu pai tivesse desempenhado esse mesmo papel, mas com o auxílio secundário de minha mãe, ele seria visto como um verdadeiro exemplo a ser seguido, a sociedade o aplaudiria, não seria tão difícil quanto foi. Enfrentamos as mesmas questões há muitos anos. Tenho medo de achar que nossa caminhada, tão árdua e difícil na construção da emancipação feminina, ainda esteja longe do fim.


Mas tomo ar: lembro-me da pergunta que minha mãe me fez. O interesse dela no feminismo me fez ver que a minha militância estava longe de ser completa se não conseguia ajudar minha mãe a se empoderar, a figura feminina mais forte que tenho em minha vida, se minha mãe ainda se sentia oprimida, sentia que a calavam nos espaços, que passavam por cima da autoridade de sua fala como mulher. O feminismo, amigas, está longe das correntes. O feminismo transpassa as teorias. O feminismo está na vivência e eu acredito que o contato com ele é muito mais profundo quando compreendemos nossas situações diárias porque só tem poder para falar de opressão quem passou por ela. Vendo toda a história de minha mãe e de outras mães solteiras e de tantas outras mães e de tantas outras mulheres que não quiseram ser mães e outras tantas que morreram nas clínicas de aborto e tantas que não querem ter filhos e de todas nós vejo que o feminismo passa pelo exercício real da sororidade, de conseguir ter sensibilidade para compreender que passamos ou passaremos todas por caminhos opressores e machistas que tentarão nos despersonificar e que, só fortalecidas e em conjunto, conseguiremos vencer essa sociedade patriarcal que tanto tenta nos desunir para enfraquecer. É claro que existem recortes absolutamente importantes: como um feminismo negro, um feminismo trans, um feminismo que passa por um recorte de classes, e sobre os quais cada mulher desenvolve sua representatividade de acordo com aquele que ela mesma se norteia por suas lutas diárias.


Mas o objetivo desse texto, que talvez eu tenha perdido no meio dele – pois são muitas discussões sobre o tema e uma puxa a outra e são inesgotáveis – é lembrar realmente de fortalecermos as mulheres que encontramos numa rede de estímulo que começa ali, bem do ladinho, bem na sua mãe. Nem que você seja sua própria mãe.

domingo, 9 de março de 2014

Comemorar o que?


Nesse dia Internacional da Mulher os motivos para comemorar parecem pequenos diante de tantas mulheres que nesse instante estão sendo violentadas, oprimidas, diminuídas, mutiladas, que tem suas vidas roubadas e destruídas. 

Em nome de que? De regras, modo de agir, padrões que vem sendo repetidos desde sempre. Mas quem disse que esse modelo de masculinidade ligado à violência, autoridade, controle e opressão é o certo? Quem disse que todo mundo tem que seguir? 

Para as mulheres, pensem um pouco sobre como nós disseminamos as práticas que se voltam justamente contra nós. E para os homens, exercite a arte de ver diferente, você pode não violentar uma mulher fisicamente, mas acredite, muitas vezes a violência não é física. Pense sobre o que diz, o que faz, como cobra, como ri, como reproduz esse discurso. 

Não tenho o que comemorar, não quero flores, não quero cuidados de beleza, não quero ficar mais bonita, não quero músicas, eu quero um mundo em que meninas possam crescer sem medo de ser mulher, eu quero que ex-maridos deixem de assassinar ex-esposas porque o relacionamento acabou; eu quero que namorados não controlem a roupa da namorada, dizendo que o corpo dela é dele; eu quero que nenhuma mulher ouça insinuações de que pra conseguir algo ela tem que seduzir, porque a competência não basta; eu quero que mulheres tenham o mesmo salário que homens por exercer o mesmo trabalho; eu quero que todas as meninas do mundo tenham acesso à educação; eu quero que nenhuma garota escute que algo "não é coisa de mulher";
eu quero que essa história de "coisas para meninos e coisas para meninas" vá para o espaço; eu quero que as mulheres não sejam violentadas e essa violência seja justificada pela roupa que estavam usando; eu quero que a dicotomia "santa x puta" também vá para o espaço, eu quero que as mulheres possam ser exatamente o que são e seu caráter não seja associado ao corpo; eu quero tanta coisa, só não quero comemorar um dia de luta que foi transformado em comércio, eu quero lembrar de todas nós, Liliths, Pagus, Nísias, Simones, nós que nos negamos a aceitar. Isso eu quero sempre.


terça-feira, 27 de agosto de 2013

Sendo feminista em terras orientais

“Ser mulher é um trampo”, foi o que um amigo me disse quando eu estava contando algumas das minhas experiências com o choque cultural que estou vivenciando do outro lado do mundo. Há cerca de duas semanas embarquei para um intercâmbio cultural de sete meses. Minha primeira parada é a Índia, onde pretendo passar um período de dois meses. Aqui estou participando de um projeto pela AIESEC e meu grupo de trabalho é composto por mim e mais cinco egípcios, todos muçulmanos.

                Não sei se posso dizer propriamente que sou católica, mas tenho família e educação católicas. Sou dessas que carrega um terço junto por proteção, mas nunca vai à igreja a menos que se trate de casamento, batizado e missa de sétimo dia.  Mas mesmo meu nome denuncia. “Mariana? Com esse nome deve ser católica”, foi o que ouvi de um padre indiano, isso sem dizer nada mais além da minha apresentação. Do ponto de vista cultural posso dizer que nunca antes tinha tido esse contato com culturas não ocidentais*. Por isso, tudo para mim nessa experiência é novo e exótico.

                Como feminista, o choque cultural pode se tornar muito mais intenso e até doloroso. Sempre fui uma defensora árdua do relativismo cultural, mas agora consigo reconhecer que é bem mais simples defender a partir de uma fábula construída à distância do que com a experiência real. Não quero ser mal interpretada aqui, continuo acreditando na necessidade do relativismo, mas com muito mais cuidado para, por puro comodismo, não me valer dele para relevar certas coisas irreleváveis.

                Na verdade tenho vivido um grande dilema. Não acredito em um feminismo importado, branco e colonizador, mas não consigo lidar com naturalidade com as coisas que tenho encontrado aqui. Como esconder minha cara de choque quando uma jovem não muito mais velha que eu me conta, com brilho nos olhos, sobre o casamento arranjado que terá em cerca de seis meses com o marido que o pai escolheu e, questionada sobre o motivo, me diz “preciso casar, ué”? Como reagir quando, ao ser questionada sobre quando pretendia me casar respondi que não sabia se pretendia me casar, ouvi dos meus colegas egípcios que para eles não era assim opcional, era só uma questão de escolher o noivo? Como responder quando escuto que “a função da mulher é casar e cuidar da família e só pode trabalhar fora se conseguir conciliar bem e não conviver com homens demais”? Ou ainda como lidar com o choque de um gentil funcionário da universidade em que estou quando disse que não tinha problema em ir até a minha reunião sozinha, mesmo depois dele argumentar que, mesmo sendo seguro, eu não devia andar sozinha porque sou uma mulher? Ou ao ser questionada se eu daria permissão para um homem me beijar no rosto ou se isso me atrapalharia de conseguir um casamento?

                Mas essa é a parte “leve”. O que mais me doeu foi, quando chegou o assunto da homossexualidade, eu, pronta pra discutir direitos civis como casamento e adoção, fui arrastada para uma conversa em que se traziam argumentos sobre porque a homossexualidade não deveria ser permitida. Quando eu ouvi que gays “espalham doenças e pensamentos anormais pela sociedade e por isso não podem estar soltos por aí” ou até que “a homossexualidade é uma doença mental e deve ser tratada e os doentes retirados do convívio social”. E tudo isso vindo de estudantes universitários, intercambistas, pessoas bem instruídas e com (espera-se) uma mente mais aberta que o padrão da sua sociedade. Quando meus colegas falavam “dos homossexuais” ou “anormais”, minha mente substituía essas palavras por nomes e rostos, por seres humanos completos, com sentimentos e histórias, por pessoas que eu amo. Como ouvir isso calada? Como disfarçar o embrulho que dava no meu estômago? Como, em nome de um relativismo cultural, ignorar tal absurdo? Quando tentei me manifestar contraria fui repreendida por olhares e caras de choque. Ouvi de que “são culturas diferentes”, “não tem gays de onde eu venho” e, ao dizer que meus amigos são gays e são pessoas maravilhosas recebi não apenas olhares, mas ainda manifestações expressas de choque e nojo.

                Como então criar uma desculpa para justificar justamente o que tenho combatido tão arduamente? Inclusive, todo o meu choque não se deve a algum caráter inédito que encontrei no machismo daqui. Se deve principalmente ao fato de enxergar aqui uma caricatura do machismo brasileiro. Quem nunca ouviu que mulher não deve andar sozinha na rua e, se o fizer, “tava pedindo pra ser estuprada”? Que mulher nunca passou pela situação de, ao falar do sucesso profissional ou acadêmico, ouvir a pergunta “tá bom, mas e namorado, não tem?”? Quem nunca ouviu uma insinuação de que mulher que se dedica demais á carreira é frustrada porque não cumpre sua “função natural” de ser esposa e mãe (nessa ordem)? E quem nunca viu a separação entre as mulheres “pra pegar” e “pra namorar”? E felicianos estão aí para provar que homossexuais ainda (sou otimista) não são tratados com respeito e igualdade na sociedade brasileira, ao contrário do que agora pensam meus amigos egípcios.  A sociedade brasileira ainda é extremamente conservadora. Visitar um país como a Índia é se chocar com o contraste entre o exótico e o familiar. Sinto-me deslocada e longe do conhecido, mas é impossível não sentir alguma brasilidade nesse lugar.

Hoje tive a sensação de uma “gota d’água”. Quando fomos iniciar o projeto, no qual devemos preparar apresentações sobre qualquer tema que seja do nosso interesse, o diretor da faculdade, já sabendo o meu tópico, me disse claramente que poderíamos tratar qualquer coisa menos “sexo, álcool e direitos humanos”. Ao lidar com minha revolta ele disse que esse não era um assunto a ser tratado com alunos universitários, que a Índia é uma das maiores democracias do mundo e que, por isso, não se espera que os alunos não deveriam ouvir sobre essas coisas. Diante da minha insistência ele disse que o máximo que eu conseguiria seria desinteresse e uma turma incontrolável. Quando entramos na sala de aula e fomos instruídos a começar nossas apresentações eu discursei por uns quinze minutos sobre noções básicas dos direitos humanos e sua evolução, sobre como suas violações são mais cotidianas do que pensamos e ganhei em retribuição olhares interessados e caras de fascínio. Talvez um pouco da revolta do diretor, anulada diante à clara empolgação da turma. Uma das alunas, de quem me tornei amiga, me confidenciou mais tarde que boa parte dos alunos ficou pesquisando no google sobre o tema, claramente interessados.

Não posso entregar a elxs meu feminismo, mas posso fazer alguma coisa. Esse episódio sem dúvidas me deixou incomodada e fez toda essa problemática pipocar de novo na minha cabeça. Não é fácil disseminar o feminismo dentre as pessoas com quem convivi por toda a minha vida, como então fazer isso em uma cultura tão diversa? Como respeitar a diversidade cultural e religiosa das pessoas com quem convivo, ao mesmo tempo em que tanta coisa me revolta? Mas ainda, como simplesmente ignorar o que está diante dos meus olhos, numa sociedade em que as mulheres são subvalorizadas e tratadas como propriedade, gays são invisibilizados e a simples menção de se discutir “direitos humanos e direitos das mulheres” com estudantes de vinte-e-poucos anos causa arrepios?

Sigo sendo uma feminista ocidental do outro lado do mundo. Não é uma tarefa fácil, mas ser mulher nunca foi. Afinal, ser feminista também “é um trampo”.



*Por ocidental defino aqui tanto as dimensões geográficas (do lado 'esquerdo' de Greenwich) e a ideia de uma cultura de origem cristã.



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Onde você tem guardado seu feminismo?

É preciso bancar nossas escolhas, enquanto mulher, ser humano, algo que existe. É preciso assumir nossas vontades e não esconder, não calar. É preciso expor nossa fé no que há de mudar. Quando o Chatas de Atenas nasceu, nem todas nos declarávamos feministas, éramos seis, quase todas adentrando esse mundo de ativismo, posicionamento e declaração. Hoje, nosso blog é abertamente feminista. Sete mulheres, que escolheram pela igualdade de gênero, pelo respeito e acima de tudo, pela mudança.

Há algum tempo atrás uma mocinha me procurou pelo facebook, conversamos sobre feminismo, o blog e o que pensamos do mundo, ela disse que o Chatas é inspiração.
Pra coroar a conversa disse numa timidez tão curiosa "eu acho que sou meio feminista".

Na hora tentei ser sutil "se você conhecer mais vai ver que é feminista por inteiro". Mas não prolonguei o tópico. Deixei para lá.
Nunca mais falei com a mocinha. Os dias passaram. O Chatas continuou sem postagem.

Então hoje eu estava cá com meus botões e poxa, Dilma sancionou a PLC 3/2013, que trata do atendimento à vítimas de violência sexual no SUS. E há poucos dias aconteceu a Marcha das Vadias do Rio, que ganhou muita atenção devido à perfomance do Coletivo Coiote (aquele mesmo, que quebrou as imagens de santas). E nesse instante abri um site local de notícias e lá estava "Mulher é morta pelo marido".

E isso tudo suscitou uma dúvida: onde tenho guardado meu feminismo?
Você pode estar se perguntando: o que tem a ver essas notícias com o feminismo dela? 
Caro leitor, te afirmo, TUDO. 

Descobrir-se, ensinar-se feminista é um processo, exercitar requer atenção e acima de tudo, coragem. Passamos toda uma vida sendo moldadxs por esta sociedade patriarcal, está na essência de nossa educação a dicotomia de gêneros, os modelos inalcançáveis de "homem" e "mulher" perfeitos, as regras de comportamento e conduta que não são simplesmente para "organização", mas que fomentam toda uma estrutura de dominação.

E vivendo neste planeta, neste país, na minha cidade, convivendo com as pessoas que convivo, percebo que por vezes, eu finjo que esqueço disso tudo e calo meu feminismo, deixo ele quietinho, pra não chatear, pra não criar polêmica. Mas que inferno! É justamente isso que eu devo fazer! 

Meu feminismo tem tudo a ver com a lei que Dilma sancionou, porque, apesar do corriqueiro discurso de que o feminismo não tem mais "o que fazer", empreitadas políticas contra a violência sexual e por um atendimento de qualidade às vítimas, são vitórias que tiveram o apoio majoritariamente feminista. 


O episódio da Marcha das Vadias do Rio, também tem muito a ver comigo, ainda que eu esteja a quilômetros. Por ser feminista muitas pessoas próximas questionaram meu posicionamento, algumas falaram para mim o que queriam ter falado para o casal da performance. Achei isso interessantíssimo. Eu visto o manto do feminismo, para o bem e para o mal. Coisas assim, que a mídia e a grande massa avistam e vomitam logo sua sentença, ficam sempre marcadas. Foi infeliz o acontecido, não concordo, não gostaria de presenciar e em hipótese alguma defenderia algo assim, mas passou. Foi. Aconteceu. E alguns minutos e duas não podem caracterizar uma Marcha de horas, com centenas. 

Daí eu me pergunto, ninguém se choca com a manchete de mais um assassinato cometido contra uma mulher, não é? Era só mais uma Maria qualquer, casada com um monstro... Ela deve ter provocado mesmo. E isso também tem a ver com meu feminismo. 

Hoje eu não brigo pelas vias "oficiais", minha chatice é privada. Eu falo sobre feminismo com quem quiser me escutar, não obrigo absolutamente ninguém. Feminismo pra mim é cultura (que enquanto prática é política também), não acredito que a solução é o Estado, por exemplo, tentar acabar com o machismo ou com a estrutura patriarcal. Funcionaria? Acho que não. As leis, de cima para baixo, ainda mais no Brasil, com uma história de cultura política tão peculiar, geralmente são "adequadas" à realidade. E o Estado é alguém, mesmo enquanto instituição, são indivíduos, com poder de agenda e veto, mais poder que os que formam a sociedade civil. 

Desenrolando meu pensamento: meu feminismo é trabalho de formiguinha. Organizadxs e politizadxs podemos levar demandas ao legislativo, pressionar o executivo e o judiciário. Individualmente podemos falar e falar e falar, e agir também, prestando atenção no que dizemos e como agimos com as pessoas. 

Você pode impedir um estupro, sabia? Já conversou com seus amigos homens sobre o fato de que sexo sem consentimento (ainda mais quando a mulher estiver bêbada) é estupro e que tem punição? Já conversou com suas amigas que julgar uma mulher pelo tamanho das roupas dela é cruel e tão preconceituoso quanto não gostar de pessoas de óculos? Que "promiscuidade" pode ser na verdade preconceito seu e que mulheres sendo assassinadas por companheiros não são crimes "passionais", mas sim uma questão de misoginia. Que não dói respeitar as pessoas pelo que elas são, ainda mais se não fazem mal a ninguém sendo assim! Que não existe um alma que corresponda perfeitamente ao padrão de "homem" e "mulher", então por que raios querer que as pessoas se modifiquem e machuquem tentando ser algo que não existe?

E eu, eu devia ter falado para aquela mocinha que ela não tenha medo de ser feminista por inteiro. Que ao se declarar assim ela vai levar nas costas todo o preconceito e suposições por vezes erradas das pessoas. Que ela vai ver nesse mar confuso que é a internet muitas farpas dolorosas, mas também vai encontrar outrxs que acreditam num futuro de mais respeito, mais amor ao próximo, mesmo com diferenças enormes entre si. 

Então, cara mocinha, se você ler isso aqui, saiba: o feminismo que brota em você tem um dever, um laço, com o feminismo de outras pessoas. É por essas pessoas que devemos nos declarar, para que elas também levantem a mão dizendo "você não está sozinhx". Eu pretendo, deste instante em diante, não guardar meu feminismo, não calar. Chatear cada vez mais. Me respeitar enquanto mulher e reclamar respeito. Eu devo isso a vocês, a todxs nós.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

"Não" à amputação da dignidade

Nesse 13 de junho, começo a sentir um pesar sorridente. Uma vontade de pular da janela desse mundo que anda por caminhos tão tortos que dão ânsia de vômito. Uma alegria ao ver a vontade dos passageiros de tirar-lhe as rodas; ao ouvir os gritos de “não” ao enjôo controlado; ao desejo geral de se encontrar uma direção que ao invés de náusea traga regozijo, satisfação.

Falo das manifestações que se alastraram por grandes cidades do meu país. Falo de um 13 de junho significativo pela vontade nacional de fazer mudar. Uma quinta-feira comum em que, em jorros, dissemos “não” à situação de atrocidade. “Não” a medidas controlativas que apenas nos dopam e tentam abafar que tudo a nossa volta roda e nada além do vômito faz sentido. “Não” ao autoritarismo que se esconde por trás de nomes bonitos como “democracia”. Dissemos “não” a essa trilha disparate que não nos leva a lugar algum. Dissemos todos, finalmente, “ não”. À amputação da dignidade.


Dizem que os atos não dão em coisa alguma. Hostilizam. Manifestam-se a favor da acomodação e da total submissão à ordem – Ordem, essa, disciplinar e limitadora aos subjugados, para que no fim aconteça o Progresso aos subjugantes. Lastimo, mas não tomo a pílula do conformismo. Vomito, grito e digo “não”.  Não admito 20 centavos. Não admito truculência. Não admito que minha cidade – meu país, meu mundo – sejam aos poucos cenário do assassinato da humanidade.  



Av. Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro, durante manifestação nesse 13 de junho. Foto de Rodrigo Mariano