“- Mas, tome muito cuidado. Não converse com estranhos, não diga para onde vai, nem pare para nada. Vá pela estrada do rio, pois ouvi dizer que tem um lobo muito mau na estrada da floresta, devorando quem passa por lá.
- Está bem, mamãe, vou pela estrada do rio, e faço tudo direitinho!”
Pelo breve trecho, já sabemos como acaba a história: a menina que, infringindo imposições, encara a fera, chega ao seu destino e ainda destrói um mito. Mas o conto é levado a crianças de todo o mundo com outra ideia clara, sutil e eficaz: o caminho mais seguro é aquele em que não se encara o lobo.
E assim tem sido com muitas de nós, ao trajarmos o chapeuzinho vermelho, ouvindo o conselho de seguir o velho e conhecido caminho logo, tudo para não despertar a ira da besta. Claro que algumas desobedientes já transgrediram o estabelecido, e ainda voltaram de lá dizendo que era possível utilizar o caminho, mesmo com a fera. Enfim, são só umas chatas!
Mas ser mulher tem muito a ver com chatices. Salto alto é muito chato. Menstruação então, é chatíssimo. E quando nos expressamos, damos nossa opinião e fazemos questão de ser ouvidas, aí sim, somos definitivamente CHATAS! Seguimos o conselho de Chico, mirando no exemplo daquelas mulheres de Atenas, subvertemos a ordem que impera, unindo maniqueísmos numa só realidade, a incongruência do existir humano, para todos os sexos. Somos Chatas de marca maior, somos Chatas de Atenas. Se é assim que seremos vistas, decidimos unir nossas chatices e desbravar todos as trilhas da floresta. E queremos chatear com todos que souberem falar, qualquer nó preso na garganta, qualquer grito que sucumbiu aos padrões. Afinal, quem tem medo de lobo mau?
AS CHATAS
Ananda não sabe andar em linha reta e nem jogar twister sem perguntar pra onde fica a esquerda. Faz Ciências Sociais e quer ser embaixadora antes dos cinquenta. É feminista e tem a estranha mania de falar de si mesma na terceira pessoa. Critica os alienados, mas é uma alienígena. Seu maior sonho é descobrir que tem mesmo dupla personalidade.
Quando nasceu, um anjo (desses tortos) disse-lhe: Vai, Andressa! Ser gauche na vida. E assim se fez. A pequena campo-grandense evoluiu, então, para uma economista humanista em formação, daquelas mais chatas. À parte do mundo quase sempre, prefere apreciar um bom filme ou escutar aquele seu jazz favorito num sábado à noite. Não faz questão de se ajustar: Ni santa, ni puta, apenas jedi nas horas vagas.
Bianca Sampaio, como toda menina baiana, tem encantos e defeitos que Deus dá: como ter os olhos negros e míopes, que é pra ver o mundo torto; e uma cicatriz na cara, que é pra lembrar que a vida às vezes dói. Meio Amélia, ela gosta de cozinhar, pintar as unhas e bordar toalhas. Meio Pagu, ela prefere cheiro de maresia, e acha que pode escrever seu próprio destino com uma caneta preta, num guardanapo de bar. Frequenta as aulas de Direito para rir da arrogância alheia e também coleciona troféus das brigas perdidas.
Jussara é paulistana e está no segundo ano de Ciências Sociais. Gosta de silêncio, de finais de tardes ensolarados e de dançar. Ama gatxs e hoje só tem uma gatinha, que puxou a ela e dorme o dia inteiro. É vegetariana, bissexual e chata de marca maior.
Maria é petulante e sente o mar de Copacabana no estômago quando vê injustiças. O que faz com que, vivendo nesse mundo, seu universo particular seja revolto. Comunista, crê que Revolução, por ser um substantivo feminino, só pode ser falada corretamente se for feminista. Tornou-se mulher aos trancos e barrancos, sendo sempre outsider. Como seu eu é “tudo junto misturado ao mesmo tempo agora”, seus textos em prosa são sempre meio poéticos e suas poesias são sempre reflexões e conversas. Nunca rimam. Ela foi aprendendo, com o tempo, a ser ela mesma, a ser Chata com orgulho. Mas, no fundo, queria mesmo ser é a Cássia Eller. E, quem sabe, com um bocado de Clarice Lispector e Rosa Luxemburgo.
Mariana Bertoche gosta de andar na rua observando coisas corriqueiras e de sentir nas mãos a textura das plantas de muro. Sente prazer em ler no balanço do ônibus até as aulas da faculdade de artes e em olhar as janelas de luz acesa dos prédios imaginando que personagens e histórias existem dentro dos cômodos. É daquelas crianças-adultas que ainda têm o hábito de andar em apenas uma cor do calçadão de copacabana e que às vezes se acham no direito de brincar com palavras as transformando em pequenos contos.
Mariana Rios é inquieta, e sempre se mete onde não foi chamada. Ama viajar, e quase sempre suas melhores viagens são feitas sem sair do lugar. Uma romântica incurável e uma sonhadora, tenta manter os pés no chão sem perder a leveza da vida. Luta todos os dias contra seus próprios preconceitos, que são seu maior medo. Tem uma relação complicada com a ironia e o humor. Considera-se uma pessoa aberta e muitas vezes (por que não?) indecisa. Acha mudanças complicadas mas bem vindas, e faz das mudanças pessoais um hobby arriscado. Ama cores, por isso vive cercada delas, especialmente presentes nos rabiscos que brotam dos cantos das páginas dos seus cadernos durante as aulas do curso de Relações Internacionais, que frequenta nas horas vagas.
De quem é o texto?
ResponderExcluirEste texto foi feito por todas nós, é a certidão de nascimento do Chatas.
ExcluirEstou encantada como blog de vocês meninas...
ResponderExcluirdevorando cada palavra como capsulas de atroveram de uma cólica que não passa nunca
Obrigada V! Espero que você goste cada vez mais do blog :))
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