Um pequeno
vilarejo mulçumano em algum lugar no Oriente Médio, no norte da África, o local
exato não vem ao caso. Uma sociedade cristalizada, os papéis de gênero
historicamente demarcado, os homens trabalhavam fora de casa, traziam o
sustento para a família, as mulheres cuidavam de tudo o que diziam respeito ao
lar, cuidavam dos filhos dentre os mais variados deveres. Mas com o passar dos
séculos as coisas mudam. Em pleno século XXI, a vila sofre com a seca, não há
mais empregos para os homens, e a população é sustentada pelo turismo e a
caridade. Quer dizer, nem tudo muda. Enquanto muitos dos homens passam o dia
sentados no bar local, as mulheres continuam seu trabalho árduo com os afazeres
domésticos, que incluem ter que buscar água na fonte mais próxima, em um
trajeto pesado e perigoso, no qual frequentemente mulheres grávidas perdem seus
bebês, algumas vezes carregando sequelas, e são acusadas de “secas” pelas
famílias de seus maridos.
No
cenário de extremo conflito que se segue diversos temas são abordados,
interagindo entre eles de forma magistral. O poder dos homens sobre as mulheres
é o mais evidente deles, atingindo em passagens do filme atos de agressões
físicas e sexuais, como em uma cena em que o marido agride e estupra sua
esposa, no mesmo quarto em que dormem os filhos do casal, evidenciando o medo
que as mulheres da cidade sentem dos maridos. E mesmo assim elas resistem em
nome do seu ideal de igualdade. Mas esse poder se manifesta de formas mais
sutis ao longo da trama. No início, muitas mulheres temem aderir à greve por
causa das possíveis represálias dos maridos e de suas famílias. Em outros
momentos, o machismo fica evidente nas ações, inclusive, de algumas mulheres,
como a sogra de Leila, que possui o pensamento tão arraigado em si que se
recusa a posicionar-se contra a própria opressão, sendo um dos personagens mais
machistas do filme, que se posiciona mais duramente contra a luta das mulheres.
Um dos pontos principais do filme é a denúncia da força cristalizadora que pode haver nas tradições, quando essas se tornam aprisionadoras, e a força da educação na batalha contra elas, e dessa forma, o machismo se perpetua per meio dessa inércia social. Muitos não questionam a forma como vivem, ou argumentam em favor dela dizendo que “sempre foi assim”. E a personagem principal, Leila, é uma das únicas mulheres alfabetizadas na vila, e esse fator é decisivo para sua rebelião. Esse conhecimento permite que amplie seus horizontes, questione. Por essa razão muitos dos homens da vila acusam seu marido de ser o culpado pela greve, visto que ele a ensinou a ler, e se colocam contra a alfabetização das mulheres. Outra coisa que chama a atenção é o cenário da vila, que nos faz ter duvida se o filme realmente se passa nos dias de hoje e não ha muito tempo atrás. E uma das poucas evidências que temos de que aquele lugar se insere, de sua própria maneira, no mundo globalizado dos dias de hoje é um cartaz da Coca-Cola presente na parede do bar em que os homens se reúnem, uma imagem contrastante com o ambiente de extrema pobreza, no qual até a água é um recurso extremamente valioso, em torno do qual gira o enredo.
Sem
duvidas, um filme que vale a pena ver. Ele fala da força revolucionária, que
não precisa surgir em grande escala. E normalmente não surge. Pessoas comuns
que começam a questionar as relações na sua vida cotidiana conseguem mudar
paradigmas, melhorar sua forma de viver. Uma história que trata temas pontuais
da cultura mulçumana como o uso do véu e as interpretações do Alcorão a temas
universais, como a submissão, o machismo a educação e as desigualdades sociais
tão marcantes no mundo de hoje. Vale à pena ver e formar suas próprias opiniões
a respeito.
Aqui vai o trailer do filme, e para quem se interessar, links pra download logo abaixo
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