Já
escrevi aqui sobre Os Miseráveis como um todo com uma análise bem viajante de
alguns personagens centrais e do final (sendo obra de ficção, podemos analisar
como bem entendermos, ponho “viajante” apenas por que sei que Victor Hugo era
um liberal e tirei tudo da minha fértil cachola) e deixei, de propósito, para
fazer um texto à parte sobre Eponine. Tá, não tão de propósito assim, mas
fez-se necessário.
Gosto
muito, como eu mesma autora de ficção, da personagem Eponine e desprezo
categoricamente Cosette. Acho-a totalmente plana, tolinha e o estereótipo da
mocinha burguesa (“de meia-tigela” nas palavras da sábia Eponine) que nunca me
cativou em história nenhuma. Mas, para falar de Eponine, é necessário olhar
para todas as mulheres que aparecem em Os Miseráveis.
Quem
somos, nas lentes de Victor Hugo? Somos pobres moças, arrastadas pelas
incontingências do destino a sofrer com resignação, somos seres ambiciosos e
cruéis que participam de maldades em relação a outras pessoas, somos
trabalhadoras, somos mães, mas não somos revolucionárias. Como não? E Eponine?
Eponine é uma lutadora, sim. Luta contra a miséria, luta contra a polícia que
persegue os pobres, luta para se manter viva. Mas não luta contra um sistema.
Não por convencimento, não por ela mesma e pelxs outrxs. Ela luta por Marius
(no Movimento Estudantil, chamamos esse tipo de coisa de “tática 2”, mas isso
são outros 500).
Como
autora, como uma romântica incorrigível, acho lindo histórias em que as pessoas
amam a tal ponto que morrem por outrem. Choro convulsivamente com “On my own” e
“A little fall of rain” e acho a relação do Marius com a Eponine muito
bonitinha. É uma amizade sincera, da parte dele, e um amor devotado e
desinteressado (com um breve deslize de imaturidade), da parte dela.
Então
qual é o problema, Maria? Por que você está tão incomodada com Eponine?
O
problema é que, em Os Miseráveis, Eponine é a única mulher a lutar na
barricada. E ela não está ali por um ideal! Ela não está ali contra o Estado,
não está ali por revolução nenhuma! Está para morrer com Marius, por Marius! O
problema em Eponine ser o único rosto feminino entre os revolucionários é que
isso apaga mulheres como Louise Michel, uma das poucas a ter seu nome
registrado na História, mas uma das muitas a lutar nas inúmeras revoltas
populares da França! Colocar a única mulher “revolucionária” como uma
adolescente apaixonada é nos confinar ao mesmo estereótipo de sempre de bichos
sentimentais, incapazes de pensar, criar, inspirar, aspirar, lutar por nós
mesmas, por nossos ideais e não por homens e filhos.
Somos mais do
que damas e mães, somos seres humanos completos e, quando a ficção insiste em
nos negar vozes ativas nas histórias, está apenas se reproduzindo a eliminação
sistemática das vozes ativas femininas na História.
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