Ninguém reconhecia mais aquela garota. Andava desnorteada pelos corredores da universidade, com o pensamento longe e passos lentos e zigue-zagueantes: nisso não havia nada fora do comum. Mas em seu olhar, ao invés da não-expressão dos dias anteriores, pingava certa característica infantil que fora se perdendo com o crescer das pernas. Via-se sorrirem, seus olhos.
Seus movimentos corporais, antes retos e abruptos, paulatinamente faziam curvas, assim como o mexer de suas sobrancelhas. Todos seus diálogos e conversas casuais eram interrompidos, invariavelmente, por pausas em que olhava para o nada e sorria levemente, quase sem mover os músculos do rosto. Antes concentrada e objetiva, a garota tinha mais dificuldades de formar um pensamento sólido ou tomar posição diante das coisas. O derreter de uma manteiga fora da geladeira.
Se dizia boba - e realmente o era. Tinha o hábito de não falar coisa com coisa, mas nunca com a doçura que adquirira recentemente. Parecia enfeitiçada, conduzindo sua vida de forma mais leve e clara. Flutuava, como o cair de uma pena prestes a encostar no chão.
Certa vez foi conversar com uma de suas confidentes mais próximas, numa inquietação traçante - e ainda assim tão terna:
- Não sei mais quem eu sou.
Não era doença, não era alucinógeno, não era surto psiquiátrico. Todos reconheciam que sofria do maior clichê literário.
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