quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Chateando com a língua


Lembro-me bem até hoje a aula de português em que aprendi formalmente que quando vamos nos referir a um grupo de pessoas compostos por diferentes gêneros o plural é sempre no masculino. Lembro-me dos exemplos da professora, falando que mesmo se aquela sala que ocupávamos tivesse 29 meninas e apenas um menino, nós seríamos todos alunos. Lembro-me da genuína e intrínseca indignação infantil generalizada (especialmente entre as meninas, que desde cedo já se sabem em uma desvantagem mal justificada em relação aos meninos), seguida de conformidade para assimilar o resto da matéria.

Machismo nosso de cada dia que
nos acompanha desde de crianças.
Acho que a maioria de nós se deparou com essa questão na nossa vida escolar e queria propor que voltássemos a pensar sobre ela. Afinal, por que um grupo predominantemente feminino é reduzido a um plural masculino? Por que falamos “o homem” para nos referirmos à nossa diversa humanidade? Para mim, é muito claro que o nosso discurso reflete nossos preconceitos. Sim, aqueles mesmos com os quais somos educadxs desde bebês, que erroneamente achamos que não possuímos e que seguimos reproduzindo, corroborando.

Lembro que essa mesma professora admitia: “a gramática é machista”. Lembro que isso já me doía (afinal sempre fui chata), ouvir da boca de uma mulher resignada essa constatação da norma, mas não sabia que alternativa teria à linguagem padrão. Quer dizer, sabia daquela opção pouco agradável esteticamente, o parêntesis (ou a barra) com um “a” ou “as” imediatamente após os substantivos e adjetivos, mas ela já me incomodava. De certa forma, enquanto menina-mulher cis me sentia contemplada, mas por outro lado me sentia menos importante, preterida e até mesmo dispensável, já que nem todos os comunicados tinham o cuidado de colocá-lo. Como esperar de uma sociedade androcêntrica em que o conhecimento, o acesso e a produção de ciência estiveram durante muito tempo restrito aos homens, que as mulheres fossem lembradas? É claro que nossa linguagem machista e cissexista, reflete a exclusão, omissão e subjugação das mulheres.   

Ao mesmo tempo, sempre achei interessante como no inglês algumas palavras (substantivos e adjetivos) não tem gênero definido. Claro que é a língua de uma cultura não menos machista e cissexista, mas, ainda assim, do ponto de visto literário é fantástico ler um texto inteiro sem saber se a pessoa que narra, a pessoa com que se fala ou a que se faz referência são homens ou mulheres.
Até que um dia nesta vida de chata tive contato com o uso de arrobas (@) e do xis (x) enquanto proposta para a neutralidade de gênero e achei genial. A @ e o x são usados no lugar das desinências “a” ou “o” em todas as palavras que passíveis de flexão de gênero e até mesmo substituindo os artigos. Então, naquela minha sala no ensino fundamental seríamos tod@s/todxs estudantes. Nos livros de história, @s/xs frances@s/francesxs fariam revolução.  

OAB: E as advogadas?
Preciso confessar que a primeira vez que me deparei com a arroba não fiquei com uma boa impressão. Provavelmente, foi em algum e-mail mandado por uma professora que começava com “Prezad@s” ou “Querid@s”, já não sei, não importa. O que importa é que ela só flexionava este primeiro vocativo, no corpo do texto continuávamos “alunos”. Talvez seja por isso que nunca entendi aquela grafia, achava que era só um engraçado efeito de inclusão digital. E talvez seja por isso também que prefiro usar o x. Acho simpático, acho bonito e acho ótimo o estranhamento que ele causa. Ele quebra esse binarismo cissexista e surge como uma opção nova e razoável para construção de um discurso neutro em termos de gênero. Me contempla.

As mulheres são maioria na educação básica,
mas o dia é do professor.
Agora, sei que há inúmeras resistências à adoção disso. Desde gente que diz que isso atrapalha a leitura à gente que se prende aos argumentos sobre a dificuldade de aplicar isso na oralidade. Porém, acho que os ganhos propiciados por essa linguagem inclusiva compensadores. A linguagem é dinâmica, é feita no dia a dia para depois ser normatizada. Quantos exemplos não temos de palavras, gírias e expressões que outrora eram informais hoje estão nos dicionários? Então, façamos este exercício diário de combate às opressões, pensemos novas formas de comunicar.


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Update: Para quem se interessar outro texto falando sobre o tema: 
Linguagem Inclusiv@: O que é e para que serve?!. Este é um capítulo do livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”, volume 5 da série O Direito Achado na Rua. 

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