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(Foto: AFP/ Joel Saget) |
Quando o Chatas nasceu, no dia 8 de março de 2012, reconhecemos que cada uma de nós que aqui vos escreve éramos diferentes, seja nas ideias ou nos objetivos de vida. O que havia em comum era uma indignação pulsante com o enquadramento de conduta que nos era imposto pelo simples fatos de sermos mulheres, e uma vontade imensa de escrever com liberdade.
E assim foi, e é ainda: liberdade de tema e posicionamento de opinião de quem escreve; liberdade de comentários de vocês, leitores assíduos ou esporádicos; e liberdade ideológica também. Independente do pensamento de cada chata, o blog como um todo não tem posição partidária, nem tendência política definida, o que também nos liberta de muitas amarras. Assim também é em relação aos diversos grupos e coletivos feministas, muitos dos quais apoiamos e divulgamos, embora não façamos parte.
Acontece que essa tal imparcialidade serviu durante muito tempo como desculpa para o meu silêncio. Quando via notícias de grupos e ações questionáveis dentro do movimento feminista, era mais fácil pensar “ok, não tem nada a ver comigo”. Usei do mesmo artifício para não me ofender com as piadas sobre esses protestos, feitas até mesmo por amigos, volta e meia acompanhadas pela máxima “ué, mas você não é feminista?”.
Sim, eu sou feminista. E isso faz recair sobre mim uma responsabilidade, não um estereótipo. Somos um movimento de cabeças pensantes, portanto também discordantes em alguns aspectos. Mas o que eu aprendi é que a partir do momento em que me declaro (ou, no caso, o blog) feminista, acabo tendo que responder por atitudes diversas, e muitas vezes arcar com generalizações. A partir daí, sim, omitir-se é concordar, e opinar é deixar claro nosso posicionamento, e também ensejar discussões, o que é ainda melhor!
Foi o que aconteceu quando vi a notícia Feministas festejam a renúncia do Papa com seios à mostra em Paris, fato que se deu dentro da catedral de Notre-Dame. Dentre as várias repercussões da renúncia do Papa Bento XVI, essa foi a que mais me surpreendeu, não pelo choque social do protesto (até porque o choque é eficaz e necessário), mas pela total falta de sentido. O grupo Femen, já velho conhecido da mídia e com central recém instalada na França, é um dos que mais me causam a sensação de não estar sendo representada, por ter como principal característica as ações vazias de cunho ideológico ou preparação política. Seleciona-se mulheres no padrão de beleza vigente para ir a ocasiões diversas, mostrar os seios, gritar, se jogar no chão e espernear enquanto são levadas pelos policiais (estes últimos passos, inclusive, fazem parte do “treinamento” para fazer parte do grupo).
O protesto, para turistas e fiéis foi considerado um desrespeito desnecessário. Para mim, que não sou nem um, nem outro, foi exatamente a mesma coisa. Desrespeito porque não cabe se valer da histórica opressão da Igreja para justificar ações assim. Igreja esta que também desrespeita tanto outras religiões quanto a escolha por não praticar uma religião, mas faço disso um ponto crucial pra enfatizar: o movimento não é revanchista, mas simplesmente humanista. Desnecessário porque hoje os dogmas opressores do catolicismo só se legitima para quem segue a religião. Não estou negando, por óbvio, que a influência desses dogmas estejam institucionalizados pelo sistema jurídico de países como a França e o Brasil, fortemente influenciados pelo Direito Canônico. Mas esta é, e deve ser, uma briga por um Estado verdadeiramente laico, e não uma briga com o Papa.
É por isso motivo que lembrei de um outro protesto, em uma outra igreja, em um outro país, com o qual eu concordei e achei legítimo. Em 21 de fevereiro, três integrantes da banda punk Pussy Riot cantou uma “oração punk” na Catedral do Cristo Salvador, principal igreja de Moscou, protestando contra o presidente Vladmir Putin e seus laços com lideranças da Igreja Ortodoxa Russa (laços condenáveis pela própria constituição do país). O grupo já vinha questionando a política autoritária de Putin, apoiada pelos religiosos. Autoritarismo confirmado durante e após o processo. Elas ficaram cinco meses detidas antes do julgamento, quando duas delas foram condenadas a dois anos de prisão (o que segundo a anistia internacional, poderia ser convertido em multa).
Os dois protestos, dentro de um templo cristão, chocaram. Mas seus efeitos foram diferentes. O choque é um recurso de protesto necessário. As conquistas de igualdade e democracia que tivemos não ocorreram através de um “por favor, senhor, será que poderíamos, se não for muito incômodo, ser livres e iguais perante a lei?”. Não à toa, as integrantes do Femen, lindas e esbeltas, saíram nas páginas dos jornais sim... e só. Já a oração das Pussy Riot ainda ecoa na Rússia, e também na opinião internacional sobre o governo Putin. O propósito de um protesto deve estar firme, e muito bem pintado na cabeça dos ativistas, antes de ir pro cartaz.