Começou no dia 24, na Biblioteca Central dos Barris, em Salvador, a 3ª e última edição do Festival Vulva la Vida de contracultura feminista. O Chatas esteve lá, para conhecer, observar e contribuir, e traz aqui algumas (boas) impressões.
Como chata baiana, foi-me dada a incumbência de acompanhar o evento por uma questão de logística, mas todas queriam estar presentes, não fossem os compromissos de universidade, trabalho, etc. E como “nativa”, uma curiosidade que observei é como o público é majoritariamente de fora do estado. O ponto positivo é ver como todxs se dispõem a transpor quilômetros e alterar toda uma rotina da semana para poder estar aqui. Mas é difícil deixar de questionar a pouca adesão dxs soteropolitanxs a um espaço tão acessível e construtivo, sabendo ainda dos diversos grupos e coletivos relacionados ao tema existentes na cidade.
Passado o momento de observação inicial, fomos para a primeira oficina, sobre mídias digitais e produção audiovisual, que trouxe uma proposta de experimentação prática, sugerindo revezamento das funções em busca da horizontalidade da produção. Mas o essencial nesse espaço foi destacar a importância de um registro histórico do movimento como um todo.
Foi esse apontamento que proporcionou uma reflexão presente ao longo de todo o evento: a dicotomia entre a memória histórica dos registros fotográficos e a preservação da imagem dxs participantes. E essa preocupação divide-se ainda em duas vertente: a de quem faz o registro, e como o faz; a plataforma de compartilhamento dessas imagens.
Sobre o primeiro, levanta-se a necessidade do registro feito de dentro do próprio movimento, para que a visão externa não distorça o propósito da cena, como muitas vezes é feito pela grande mídia nos protestos de rua. É a história contada pelos próprios sujeitos históricos, e não apenas pelo observador, impregnado de juízo de valor.
O segundo apontamento parte não apenas da preocupação quanto ao sentido dado à imagem, mas principalmente à segurança das pessoas ali envolvidas. O compartilhamento virtual, embora simples e rápido, nos deixa em uma posição vulnerável quanto ao uso dessas imagens, e pouco se pode fazer para contê-lo.
Um exemplo disso aconteceu no encerramento da última edição (2012) do Vulva la Vida, como nos conta uma das organizadoras:
“Ao final, nos reunimos para uma fotografia em que todas faziam o gesto símbolo do festival. A imagem, como memória histórica coletiva, foi veiculada na página do evento no facebook, para que todxs tivessem acesso. Meses depois, descobriram que a foto havia sido publicada em uma página que nada tinha a ver com o movimento, e veio acompanhada de insultos e discursos de ódio, além de ter sido amplamente compartilhada na rede social.”
É um ato que nos faz pensar como a requisição da posse dos nossos corpos não é apenas na rua, mas também no ambiente virtual. É mais do que a velha máxima “se tá na rede é público”, é uma questão que passa pelo caráter de quem, independente de concordar com os ideais relativos a qualquer imagem, age de forma tão desnecessária e desrespeitosa. É pública sim, para a visualização e até mesmo da divulgação. Mas não é pública para a deturpação do sentido da foto, especialmente para incitar ofensas e discursos de ódio. Essa conduta é repudiada não apenas por quem concorda com o movimento, mas com qualquer um traga em si um mínimo de bom senso.
Que o Vulva la Vida, e tantos outros encontros, de tantos outros grupos, com tantos outros ideais, possam registrar seus momentos de construção coletiva sem o receio do que possa ser feito de sua memória. Aproveito para agradecer à organização do evento por proporcionar o momento, e todxs que estiveram lá para contribuir.
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