“O natural é uma pose difícil de ser mantida”, Oscar Wilde.
A maioria sequer suspeita, mas vivemos hoje no Brasil um momento singular. Das margens da sociedade se subverte nossa história conservadora de controle sobre os corpos.
O “Sexo-Rei” sofre desgastes ante à emergência de cada vez mais pessoas que vivem gêneros independentemente de seus órgãos genitais: andróginos, crossdressers, transexuais, travestis, queer, drag queens e kings, todos que, em suas particularidades sociais e identitárias, caibam sob o guarda-chuva de identificações e práticas que chamo de “transgênero”, diferenciando-o de outro guarda-chuva, o “cisgênero”, no qual também há muita gente diferente entre si, mas que têm em comum a auto-identificação de seu gênero com o que lhes foi atribuído ao nascimento.
Arriscando-me a ser rotulada como ideóloga de um futuro trans (reduzindo aqui o termo “transgênero”) da cultura brasileira, antevejo que o processo de visibilização das pessoas trans irá se acelerar, desnaturalizando a crença falaciosa nos gêneros como categorias simples e imutáveis frente aos mecanismos históricos e culturais.
Entretanto, estamos na véspera dessas mudanças: a cidadania trans e a identidade de gênero da população transgênero são vilipendiadas pelo Estado, por instituições, grupos e pessoas. Formadores de opinião, em todos os meios de comunicação, preservam o juízo de que os gêneros e suas expressões são desígnios puramente biológicos, traduzidos em termos de cromossomos, pênis e vaginas. O direito a adequação de seus registros civis é impedido, na ausência de Leis que reconheçam as suas demandas ou mesmo na presença de operadores do Direito contrários à livre expressão de gênero. O seu direito a vida é ferido cotidianamente, no país em que mais se matam pessoas trans no mundo.
As divergências a esses discursos e práticas sociais, apresentados pelos movimentos feministas que criticam o essencialismo biológico e pelos movimentos de pessoas transexuais, especialmente, desestabilizam a segurança de alguns nos pressupostos sobre o que os fazem ser como são (homens ou mulheres) e o que isso significa.
São potencializados temores que, desde fins do século XIX, com o início do movimento feminista, estão no núcleo das inquietações contemporâneas: a possibilidade de haver libertação das amarras de gênero, o que fragiliza a estabilidade das identidades e a “naturalidade” corporal do ser mulher ou homem.
A revolução trazida pela população transgênero ainda está em curso, e afetará toda a sociedade. A festa de seu lançamento já foi marcada nas redes sociais da internet, e em breve se espalhará pelas ruas.
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*Jaqueline Gomes de Jesus é doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília – UnB e pesquisadora do Laboratório de Trabalho, Diversidade e Identidade – LTDI/UnB. Escreve no blog: Jaqueline J.
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